domingo, 30 de maio de 2010

ABRIL DO OUTRO LADO

Abril do outro lado

Desse Abril de que me falam,
eu pouco vos sei dizer
Só frases feitas que calam,
as frases do meu viver
Frases de sol e de vento,
que a liberdade era minha
Antes do acontecimento,
já a liberdade eu tinha

Não vi, nesse dia, os cravos,

só mangas, no meu quintal
E se ouvi falar de escravos,
esses vinham de Portugal
Fugiam da sua terra,
da miséria mais que fartos
Sem medo da guerra,
sem medo dos matos

Que a vida floria,

lá longe, onde o sol castiga mais
Aonde havia, a negra magia,
mas onde eram já todos iguais!
Se era só aparência,
duma paz podre enfeitada
A minha doce inocência
era a vida que aceitava

Não via além da cidade,

não via sequer pobreza
Para mim a liberdade,
era a fonte da certeza.
Era ter o meu emprego,
uma casa pra morar
e sentir o aconchego,
da família no meu lar

Mas de repente a verdade,

teve outras regras de jogo
a guerra desceu à cidade,
diziam: para bem do povo.

Depois desse "nosso" Abril,

foi aí que a liberdade
Se tornou acto febril,
a manchar a irmandade

Cavaram um fosso fundo,

entre os diferentes credos
dividiram o meu mundo,
aumentaram-se os medos

Acabaram uma guerra,

parece que isso foi certo
mas, na que era, a minha terra,
a guerra ficou mais perto

Sem saber donde apareceram,

enquanto as crianças dormiam
à minha porta bateram,
- procuravam armas, diziam -
soldados de Portugal,
a mando dum grande Senhor
desde o meu quarto ao quintal,
implantaram o terror

Acabou-se a nossa paz,

o lar já não era seguro
deixávamos tudo pra trás,
buscando paz no futuro

Deu-se então a debandada,

muita família normal
sentiu-se assim condenada,
a voltar a Portugal

Irmãos que lá deixámos,

outros irmãos à espera
e logo que aqui chegamos,
não foi doce a nossa pêra

Começar de novo,

lutar entre as malhas
deste nobre povo,
colhendo migalhas

Mas nos reerguemos,

das cinzas, da lama
e hoje já temos,
um tecto, uma cama

Entendam-me, por favor,

se a nossa vida mudou
e a vossa melhorou,
com um Portugal menor

a culpa será dos tempos,

mudanças, são naturais
não inventem mais tormentos,
que mesmo nascendo iguais
somos meros animais!

Com a diferença na alma,

se é que a alma existe
mas aceitem com mais calma
quem, em Abril, ficou triste!

Maria Melo

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