sábado, 5 de março de 2011

INDIGNAÇÃO


A palavra é indignação!



Resolvi narrar este fato, pois ele me gerou um sentimento de revolta imenso,diante do sofrimento alheio, presenciado por mim e por tantas outras pessoas que estavam à volta de um morador de rua, idoso, caído em um canteiro, completamente inconsciente, em frente ao supermercado mais próximo de minha casa.

Hoje, por volta das 12h30min, como já é hábito, mais uma vez na semana, eu recorri ao supermercado para comprar alimentos a fim de fazer o almoço. Ao me aproximar da porta de entrada, notei várias pessoas aglomeradas ao redor de um senhor idoso, pelo que dava para perceber era um, mais um dentre milhões de excluídos neste país, morador de rua.

Uma moça realizava uma operação de primeiros socorros, mas de nada adiantava, ele parecia estar desmaiado completamente. Observei que ela colocava água de coco em sua boca, através de um canudinho da própria embalagem e a mantinha aberta com a outra mão. Enquanto isso, um funcionário do supermercado despejava água fria em sua cabeça, na tentativa de acordá-lo e refrescá-lo da insolação e (provavelmente) do coma alcoólico em que se encontrava. Logo fui chegando para bem perto do grupo na tentativa de ajudar. Procurei saber o que tinha acontecido antes da minha chegada, e foi-me dito que ele estava naquelas condições há dois dias e que precisava de auxílio. Eu e outra senhora que estava ao meu lado, rapidamente, fomos para o telefone público, situado dentro do supermercado, com a finalidade de chamar o SAMU, do Hospital de Pronto Socorro Municipal, fone 192. Qual foi a nossa surpresa, quando liguei pela primeira vez para esse pronto atendimento e, após explicar o fato ocorrido com tal morador de rua, e me identificado também, o médico negou-se a vir atender a essa ocorrência, porque eu não tinha condições de dar os dados completos da situação do senhor, ou seja, se ele respondia neurologicamente, se ele estava desmaiado, respiração etc. Falei para ele que era para isso mesmo que eu estava chamando a ambulância, a fim de que fosse atendido por uma pessoa especializada e verificasse o que havia acontecido. Ele, mais uma vez, me disse que não iria por falta de informações (técnicas). Disse para ele que eu estava fazendo a minha parte, e que ele deveria fazer a sua.

Voltamos indignadas ao local onde se encontrava tal pessoa. Narramos o fato e foi consenso de todos que voltássemos a ligar para o fone 192. Desta vez, foi a senhora que estava me acompanhando a autora da ligação. Aconteceu o mesmo procedimento inicial, a secretária atendeu e passou para o médico. Ela se identificou, perguntou o nome dele também, e ele ratificou que não iria, pois morador de rua não é da alçada do Pronto Socorro, que ela deveria chamar outro órgão para recolhê-lo. Ela falou que ele estava mal e que precisava de ajuda. Automaticamente passou-me o telefone e eu segui a conversa. Expliquei, quase gritando de tanta raiva, que pagamos o salário dele através dos impostos, e que esse serviço não poderia escolher os pacientes. Só porque era morador de rua, ele estava negligenciando o atendimento, se fosse um burguês, a ambulância viria imediatamente. Sabe o que ele me respondeu? “Se fosse um burguês, certamente, não estaria nessa situação, teria familiares e sua residência, mas morador de rua tem que morrer na rua mesmo”! Larguei, completamente revoltada, vários impropérios responsabilizando-o pela morte do senhor, caso ela viesse a ocorrer. Sabe o que ele me disse? “A culpa será da senhora que não me deu os dados neurológicos completos”. Inadmissível tal procedimento por parte de um serviço público de Porto Alegre. Segundo a Constituição Brasileira, ninguém não poder negar assistência a ninguém, pois omissão e discriminação são crimes. Temos, neste caso, um exemplo vivo de desrespeito absoluto ao ser humano, de omissão de socorro e discriminação sócio-econômica. Onde ficou o juramento de tal médico? Para que pagamos impostos? Morador de rua não é gente?

Voltamos para lá e narramos novamente o acontecido. Em seguida, chamamos a polícia e telefonamos para um órgão encarregado de recolher os desabrigados. Pasmem! A Brigada Militar veio e nos disse que não era da competência dela recolhê-lo ou levá-lo naquelas condições ao hospital. Então, falamos que ele poderia morrer ali, sem o devido atendimento. Sabe o que eles nos disseram? “Se ele não morrer aqui, nesta esquina, morrerá ali na outra. Isso é um problema social, senhora”! Nem o tal órgão veio socorrê-lo, com a desculpa de que somente recolhem crianças e adolescentes. Ficamos chorando ao lado de tal indivíduo, eu, a senhora que me acompanhava mais de perto e um professor universitário, que conseguiu todos os telefones assistenciais. Passada uma hora aproximadamente, o morador de rua desmaiado já estava semi-acordado, tomando muita água geladinha e totalmente desorientado. Nem mesmo alguém do ponto de táxi, que ficava bem à nossa frente, se interessou por levá-lo ao hospital. Tentamos conversar um pouco com ele, mas não conseguíamos entender nada do que falava. O senhor ficou sentado, à sombra, tomando muita água e sob os cuidados de um funcionário do supermercado, que iria levá-lo para um lugar melhor e providenciar algum alimento para ele.

Voltamos todos para as nossas casas, para os nossos portos seguros, revoltados com o nível de indiferença a que o ser humano chegou em relação ao seu semelhante. De certa forma, todos nós temos uma parcela de culpa, sim, por haver indigentes nas ruas, dormindo pelos quatro cantos da cidade, ao relento. Nós nos submetemos ao sistema, consciente ou inconscientemente, achamos que sempre foi assim e que nada poderemos fazer para mudar esse estado de coisas. Cuidamos somente do nosso umbigo, nós nos deixamos docilizar, nós não nos rebelamos quando alguém nos atinge ou atinge o nosso semelhante, deixando tudo por conta da impunidade. Nós nos escondemos de nós mesmos por puro medo e comodismo. Eu não quero ser uma “aspirina social”, eu quero muito viver num país onde todos tenham os mesmos direitos e a mesma igualdade de condições, onde a paz e o amor sejam o norte das pessoas. Brasil, “que país é este”?

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