segunda-feira, 23 de maio de 2011


Strauss-Kahn não seria preso em Portugal

23 de Maio, 2011por Margarida Davim


A história da detenção de Dominique Strauss-Kahn podia ter sido muito diferente se tivesse acontecido em Lisboa. «Se fosse em Portugal, não estava detido», assegura um juiz. «Cá a acusação demoraria meses», ataca um advogado. «Mesmo com urgência estaríamos um mês à espera dos testes de ADN», garante um magistrado do Ministério Público (MP).

A rapidez de actuação da polícia e do Ministério Público é a primeira diferença que salta à vista. Strauss-Kahn foi alvo de uma denúncia pouco depois do meio-dia de sábado. Uma empregada guineense de 32 anos chamou a polícia ao Hotel Sofitel de Times Square, em Nova Iorque, e foi imediatamente levada para ser submetida a exames médicos. Pouco antes das cinco da tarde do mesmo dia, o presidente do FMI era detido a bordo de um avião da Air France prestes a descolar.

«Esta detenção não era possível no sistema judicial português, porque não houve flagrante delito», defende o juiz António Martins, explicando que sem esse requisito legal «seria impossível deter o suspeito sem um mandado de um juiz ou de um procurador».

Rogério Alves tem uma opinião diferente. «Podia considerar-se que havia uma situação de ‘quase’ flagrante delito – uma figura prevista na lei portuguesa – por ter saído à pressa do hotel, deixando o telemóvel». O advogado acredita, porém, que «só um polícia mais atrevido» faria uma detenção nestas circunstâncias.

Um mês à espera de resultados de exames

Rogério Alves acha que «em Portugal quer-se sempre a acusação perfeita e o Ministério Público acaba por demorar meses até deduzir acusação». Mas o procurador Carlos Casimiro garante que o problema está nas provas. «A recolha de indícios é feita na hora da denúncia. O problema é o tempo que demoram a ser feitos os exames», explica, garantindo que «em 99,9% dos crimes sexuais a acusação demora por causa das provas periciais» – já que não se pode acusar um suspeito só com base no testemunho da vítima.

Segundo o Le Figaro, citando a americana MSNBC, «foram encontrados vestígios de ADN no corpo da vítima». Mas no nosso país os resultados demorariam muito mais. «O Laboratório de Polícia Científica está assoberbado com milhares de perícias, porque tem duas pessoas a trabalhar. Com urgência, chega-se a esperar um mês», conta Carlos Casimiro.

O juiz António Martins também duvida que alguém tão importante como o presidente do FMI pudesse ficar em prisão preventiva em Portugal. «Vimos uma juíza a decretar a prisão preventiva, oralmente e com uma argumentação sucinta. Cá, caía o Carmo e a Trindade», comenta, lembrando que a mesma decisão em Portugal obrigaria a «páginas e páginas, citando artigos de A a Z, para dizer que há perigo de fuga».

O facto de Strauss-Kahn ter abandonado o hotel à pressa – segundo os seus advogados para almoçar com a filha – e de ter deixado o telemóvel no quarto, ajudou à tese de que estaria em fuga.

Para o magistrado, a diferença é que «nos EUA todos os intervenientes respeitam o sistema judicial» e ninguém pôs em causa a decisão da juíza. «Não ouvimos os advogados a criticar o tribunal, a polícia ou a acusação».

Rogério Alves recusa acreditar que os juízes portugueses sejam menos independentes do que nos EUA: «A Justiça trata todos por igual. Temos é um sistema judicial tão complexo que quem tem mais recursos sabe aproveitar melhor os buracos da lei».

Nos EUA, o famoso caso de O. J. Simpson – ex-jogador de futebol americano acusado de matar a mulher, que acabou ilibado no processo crime e condenado no cível – abriu caminho a uma alteração para tornar mais igual o acesso à Justiça. «Para que não fosse quem tem mais dinheiro a contratar o melhor perito para a sua defesa, agora é o juiz que nomeia um para suspeito e vítima», explica Carlos Casimiro.

Os advogados de DSK (como é conhecido o francês), William Taylor e Benjamin Brafman, têm relembrado a presunção de inocência. E, segundo a imprensa, vão sustentar a defesa na tese de que o sexo foi consentido.

margarida.davim@sol.pt

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