domingo, 19 de maio de 2013

Apartheid mental: os deprimidos-saudáveis



A representação comum, estereotipada,  da alegria. Grupo, saúde física, natureza. Se colocasse aqui uma equivalente  da depressão escolheria a  imagem de uma pessoa com olheiras e enroscada na cama com as mãos na cabeça. Estas representações têm em comum o código corporal. a tradução corporal dos estados  mentais. O que acontece  quando essa tradução não existe?
Há pessoas deprimidas que nunca  disseram aos outros que se sentem deprimidas e bem: os outros não acreditariam. São pessoas que riem, trabalham, dormem bem, convivem, fazem desporto, não tomam antidepressivos. Então e podem estar deprimidas? Podem. E muito.
O que a vulgata não conta é que o tom depressivo pode conviver com um estilo de vida dito  normal e até  muito agradável. Isto acontece porque  alguns  de nós  orientam o pathos depressivo para fora da corrente quotidiana, mas há mais. A tradução comportamental resulta da falta de controlo. Por exemplo, quando estamos encolerizados e nos portamos como tal. Os deprimidos-saudáveis exercem uma  vigilância apertada sobre o afecto depressivo. O medo, a angústia, o deslace  da vida , são mantidos  em regime de apartheid do quotidiano normal. Dir-se-ia que um contrato social se estabelece: podes ser deprimido se não  pareceres um.
Muitas e variadas razões  podem ser responsáveis. Há pessoas que deprimiram em função de acontecimentos, outras arrastam  fastios de infância mal resolvidas, algumas exprimem heranças. Seja como for, todas resolveram casar com a depressão sem se deixar dominar por ela. Por vezes, estes deprimidos-saudáveis retiram algum prazer em dominar a melancolia e  o pessimismo . Outros conseguem arranjar nichos ecológicos para  a depressão brincar à vontade. Falaremos disto mais tarde: o realismo depressivo?

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