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Vergonha na Justiça e dos jornais
Há casos que me enchem de vergonha. Digo
daquela vergonha de ser português, de termos certas particularidades
vingativas, invejosas ou intolerantes. Depois, penso que os outros povos
também as devem ter e reconcilio-me.
Isto vem a propósito da criança que desapareceu na
Madeira, tendo aparecido três dias mais tarde. Ou dos jovens que
morreram na praia do Meco de forma mais ou menos inexplicada. Com uma
facilidade enorme insinuam-se acusações (escusam de vir dizer que são os
jornalistas, eu sei que são jornalistas e polícias e magistrados,
embora não sabendo onde começa a onda, sei que passa por estes três
vértices, pelo menos). No caso do bebé madeirense de 18 meses
colocaram-se várias hipóteses, entre as quais a de rapto, porque um bebé
não aguentaria vivo três dias. A ideia parece plausível, mas os
pediatras Paula Valente e Mário Cordeiro (este último com vasta obra
publicada afirmam - sublinhando não conhecer os contornos do caso, como
aliás ninguém parece conhecer - que isso não é bem assim. Diz Mário
Cordeiro, a meu ver, com bastante propriedade: "O ser humano tem a
capacidade intrínseca, resultante de muitos milhares de anos de história
ancestral que estão na nossa memória antropológica de sobreviver em
condições extremas". Pois é, o mundo não começou ontem, nem sequer no
ano em que fundaram a polícia.
No caso do Meco, há ténues insinuações contra um
jovem que sobreviveu. O jovem pode estar em estado de choque pela perda
simultânea de seis amigos e além disso ainda ser injustamente acusado,
mas que interessa? É preciso um culpado! Nada pode acontecer sem que
haja um culpado!
Claro que eu não faço ideia o que aconteceu, apenas
sublinho que não se pode ter esta ligeireza na abordagem dos temas,
porque há precedentes incomodativos.
Por exemplo, quando se acusou os pais de Maddie
(chegaram a ser constituídos arguidos) sem a mínima consistência, ou
casos ainda mais estranhos como o de Leonor Cipriano, presa depois de
torturada na própria sede da PJ de Portimão, acusada de matar a filha
cujo corpo jamais apareceu.
Tem de haver culpados, tem de haver culpados! Isto
berra a multidão e clamam os jornais! Não é novo, mas é sempre chocante
ver como a natureza humana não evoluiu significativamente. Talvez por
um estranho atavismo, continuemos a delirar com os novos modelos de
crucifixões, de autos-de-fé ou de fuzilamentos na praça pública.
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