quarta-feira, 29 de janeiro de 2014



O caviar intragável

por João Pinto Bastos, em 29.01.14

Pois é, parece que à esquerda não há, efectivamente, nada de novo debaixo do sol.O Bloco, fazendo jus à sua tradição de parlapatice enfatuada, vai-se esfumando progressivamente, levando, nessa espiral destrutiva, os pouquíssimos rostos mediaticamente apelativos que ainda restavam nas caves bolorentas da Almirante Reis. A coisa tem uma história e genealogia próprias, que, para abreviar o possível cansaço dos leitores com as tranquibérnias do esquerdismo caviar, se resume no facto de a tradição política da extrema-esquerda ter no seu âmago constitutivo o dissídio e o confronto intestinos. Nada que, em boa verdade, surpreenda os espectadores mais cautos das guerras civis da esquerda portuguesa. Aliás, se há ilação que se pode retirar da imensa confusão em que caiu o Bloco de Esquerda é que o aggiornamento das esquerdas portuguesas, sob este regime, e com estes protagonistas políticos, é, ao cabo, uma autêntica miragem. Passada uma década e meia, o Bloco implode sem que, ao menos, tenha logrado europeizar, política e intelectualmente, um sistema político configurado às arrecuas. Mas, no fundo, o que tem de ser tem sempre muita força, e, neste caso, a força reside inapelavelmente do lado dos que desejam, sem desprimor para Schumpeter, a destruição pouco criativa da civilidade inerente ao bom trato da coisa pública. O problema é que, com esta implosão, a governabilidade futura do país ficará, em grande medida, superiormente limitada. Mais: pensar numa esquerda que governe unida, carregando solidariamente as dores da governação, é, para todos os efeitos, uma ilusão que doravante, atenta a crise presente, importa não alimentar. Tudo leva a crer, portanto, que serão os portugueses a pagar, mais uma vez, a factura desta romaria festiva, pela singela razão de que não será de todo possível regenerar a República sem uma extrema-esquerda que entre no arco da governabilidade, desobstruindo, com essa abertura, o imobilismo político crismado pelo PREC. Foi isto que, com muita bufonaria política à mistura, o séquito de Louçã diligentemente legou aos seus compatriotas.

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