A Guerra de África - Portugal Militar em África 1961-1974 - Actividade Militar
Introdução
a. O Instituto de Estudos Superiores Militares, em colaboração com o Núcleo Impulsionador das Conferências da Cooperativa Militar (NICCM) levou a efeito nos dias 12 e 13 de Abril de 2012 um Seminário subordinado ao tema ““A Guerra de África - Portugal Militar em África 1961-1974 - Actividade Militar”. ”. Neste seminário tomaram parte doze oradores, todos militares e habilitados, por estudo e experiência, a nele intervirem. Como é uso nestes casos foram retiradas, no final, algumas “conclusões” provisórias que o oficial encarregado de o fazer, apelidou de súmulas, querendo referir-se ao que tinha sido dito pelos oradores. b. Dois dos oradores intervenientes, os Coronéis Matos Gomes (MG) e Aniceto Afonso (AA), vieram insurgir-se contra as conclusões/súmulas, dizendo que não correspondiam à verdade dos factos, nem à realidade vivida. Sem embargo apenas se referem a uma frase e que foi esta: “A situação nos três teatros (Angola, Guiné e Moçambique) está controlada pelas FAs portuguesas e que era sustentável em termos militares”. c. Face a esta situação os dois oficiais, com vasta experiência nas campanhas aludidas e conhecidos estudiosos do tema, escreveram um documento de 35 páginas (ou já estaria escrito?), contestando tal conclusão (e que se junta em anexo). É uma análise/réplica a este documento que agora se apresenta.
2. PREÂMBULO
“Parta V. Exª descansado que eu não deixarei ficar mal a Bandeira Portuguesa” Aniceto do Rosário
(para o governador do Estado da Índia, antes do ataque a Dadrá e a Nagar Aveli)
A. Antes, durante e depois da argumentação aduzida, de contestação àquela conclusão - com a qual deixamos, já claro, a nossa concordância - os dois oficiais, agora contestatários, deixam expressas algumas “certezas” suas:
- Estamos em face de um processo/tentativa de “revisionismo histórico”;
- Portugal possuía colónias e fazia uma “guerra colonial”;
- Os portugueses (ou seria só o governo?) combatiam numa guerra injusta e ilegal. Comecemos por analisar estas afirmações pois são fundamentais para a análise/fundamentação do todo. E notamos, desde já, uma evolução de monta: logo na 1ª página podemos ler “a defesa da política do regime da ditadura derrubado em 25 de Abril de 1974 feita posteriormente é legítima, resulta da democracia instaurada nessa data e aceitamo-la com toda a naturalidade”. Leram bem? Quem os viu e quem os vê!... Já nas conclusões de um seminário idêntico ocorrido no IAEM, em 2000, e elaborado pelo então Director, General Garcia Leandro, que considerou o documento em apreço de “importante”, se podia ler no seu nº 3 “haver que separar bem a questão ultramarina da questão do regime - existiu uma sobreposição entre o regime salazarista e a questão do ultramar, mas a questão ultramarina fazia parte da História e da herança da Nação. A 1ª República havia sido defensora da política colonial, bem como grande parte dos opositores do “Estado Novo” (sublinhados nossos). Esta dedução (aliás correcta) não foi contestada por ninguém até hoje e constitui um bom ponto de partida para a discussão. Donde é lícito colocar uma outra questão e que é esta: “os territórios ultramarinos eram nossos (eram Portugal), ou não? A resposta para mim é óbvia, mas sê-lo-á para MG e AA e para os eventuais leitores?
B. Vejamos a questão do “revisionismo histórico” que os autores apelidaram de “persistente” e “ideológico” e dão como tendo tido início com a publicação do livro “África, Vitória Traída”, escrito por quatro generais, em 1977, que tiveram altas funções de comando em África. Naturalmente que este seminário é tido como a última expressão deste revisionismo (será que o NICCM também é conivente?), não sendo dado mais nenhum exemplo ocorrido pelo meio. Convém referir os nomes dos quatro generais pois não são “uns quaisquer”: os Generais Bettencourt Rodrigues, Silvino Silvério Marques, Kaúlza de Arriaga e Luz Cunha. Não consta que, sobre eles, exista a mais leve sombra que possa manchar a sua competência, a sua integridade, o seu carácter ou o seu patriotismo. Não deixa de ser curioso como é feita a alusão, eivada de menosprezo por quatro oficiais com brilhantes folhas de serviço e provas dadas no comando de tropas e, até em altas funções político-militares. Será que podem ser considerados menos avisados ou conhecedores do que a generalidade dos capitães que conspiraram para o 25 de Abril (onde se incluem MG e AA), da realidade dos teatros de operações, que estes últimos pela sua juventude e experiência, apenas podia ser parcelar ou de “ouvir dizer”? Ou será que assumem hoje, passados 40 anos, que sabiam tanto na altura como sabem hoje? Lembra-se, ainda, que as decisões dos protagonistas devem ser avaliadas com o conhecimento que têm na altura e não por outras circunstâncias. A acusação de que o “revisionismo histórico” é “ideológico” não deixa de ser caricato. Então as forças políticas que tomaram conta da rua (e do Poder) durante o PREC - onde os ditos cujos autores “militaram” - é que impuseram uma verdadeira ditadura ideológica relativamente ao que se teria passado no Ultramar (e não só); fizeram uma autêntica lavagem ao cérebro da população e dos ex-combatentes; prolongaram essas mentiras e estribilhos no discurso oficial, na maioria dos “media” e nos livros da escola – o que ocorreu por manifesta cobardia moral da maioria da população dos quadros e chefias das FAs, para já não falar do “politicamente correcto” da partidocracia existente - e agora vêm apelidar de ideológica qualquer outra análise que contrarie as suas, quando se quer recuperar algum equilíbrio nas interpretações dos factos históricos e nas intenções (por vezes mais importantes do que aqueles) dos principais actores? Começaram por relegar um milhão de combatentes para a prateleira da ignomínia e do esquecimento; diabolizaram a História dos seus antepassados, sobretudo a mais recente; afirmaram-se as maiores barbaridades - tudo sem direito ao contraditório - e agora (há meia dúzia de anos) que começaram a perder o monopólio dos microfones e o palco das entrevistas e do mercado editorial, vêm lançar mão desse labéu? Tenham vergonha!
C. Vejamos a questão “Colonial” e das “Colónias”
Os autores MG e AA ainda devem viver no século XIX, quando se deu a corrida imperialista europeia para África e para o Oriente, quando se lutava por alargar fronteiras e conquistar povos – por onde, aliás, os portugueses já estavam estabelecidos havia séculos. Devem ainda estar a pensar na Conferência de Berlim onde, de resto, os portugueses foram os mais visados e de cujo eventual retraimento as principais potências queriam fazer reverter a seu proveito. Em 1961 (1947, se nos quisermos reportar à Índia) todos os nossos territórios viviam em paz, com fronteiras definidas e acordadas, sem problemas de soberania, sem representarem qualquer ameaça para vizinhos ou longínquos e estando perfeitamente integrados constitucionalmente na vida nacional (o que nunca aconteceu com nenhuma outra potência dita colonial). Os autores nem em termos formais e jurídicos escondem o erro de os apelidar de “colónias”, quando oficialmente eram Províncias e Goa, Damão e Diu, tinham a categoria de Estado, desde o século XVII - o mesmo vindo a acontecer com Angola e Moçambique, após a revisão constitucional de 1971. E confundem - certamente não por ignorância - que “colonialismo” passou a ter uma conotação negativa, desde o nascimento do “terceiro mundismo” (para já não falar do que era veiculado pelas internacionais comunistas) e sobretudo após a Conferência de Bandung, de 1955, em que foi conotado com a exploração de um povo por outro (ou do homem pelo homem). Nunca se lembraram de referir a “colonização”, que representa uma acção positiva, civilizacional de um povo sobre outro. Ora os portugueses - não estando isentos de terem feito algum colonialismo - foram sobretudo colonizadores e isso está plasmado em documentos que reflectem a orientação da Coroa Portuguesa desde o século XV. E esquecem-se, direi muito convenientemente, que a agressão de que Portugal foi vítima - porque de uma agressão se tratou - visava a substituição de soberanias e o acesso a influência, pontos estratégicos e recursos naturais decorrente da “Guerra Fria”, não a autodeterminação dos povos! Enquanto MG e AA não quiseram perceber isto - e já passou tempo suficiente - todas as suas análises saem erradas, pois partem de pressupostos errados.
D. A “Injustiça” ou Ilegalidade da Guerra
Filomena Mónica caracterizou (e bem) a actuação do ex-PM José Sócrates como de “delinquente político”. Considerar a guerra travada pelos portugueses entre 1961-74 (melhor entre 1954-74) como injusta e ilegal é uma delinquência política, moral e histórica. Muito do que está escrito na alínea anterior aplica-se a este “item”. Portugal foi agredido do exterior e por elementos internos mancomunados e dirigidos do exterior. Ora isto pura e simplesmente configura o direito à legítima defesa que, aliás, foi feita em termos proporcionados e humanos. E o primeiro dos ataques violentos deu-se em Angola e foi de tal modo bárbaro que entra na categoria de genocídio e de crimes contra a Humanidade! Este crime não prescreve, ou não devia prescrever, mas não encontramos uma palavra de condenação nos tão “perspicazes” propagandistas da “culpa” nacional! Autores estes que se assumem tão objectivos., factuais e pragmáticos que não lhes ocorre uma referência, por modesta que fosse, à extraordinária saga portuguesa de 500 anos, à humanidade e especificidade da expansão e colonização lusitana - singular e sem paralelo no mundo inteiro - e que explica porque dezenas de anos depois da presença política portuguesa ter terminado, muitos dos naturais não só recebam melhor os nossos compatriotas do que quaisquer outros, como ainda referem desejar ser novamente portugueses ou ter um estatuto como os Açores e a Madeira!
A justiça da causa portuguesa é por demais óbvia e funda-se, não só em razões históricas, de direito internacional e consuetudinário, pelo esforço e obra civilizadora e evangelizadora, pela alma criada, e pela vontade maioritária das populações. E tínhamos o dever de o fazer, porque essa era uma das razões da nossa existência, por espirito de sobrevivência, para proteger as populações e salvaguardar o património material, moral e espiritual da Nação. Não era tudo perfeito - mas quem disse que a natureza humana é perfeita? Buscou-se, porém, uma integração política, administrativa e social sustentada e sustentável, uma progressiva igualização de direitos e deveres que a diferenciação civilizacional, económica e social não permitiu estabelecer desde o princípio. Mas tal representava um problema interno português, diria, exclusivamente português. A única razão que se poderia atender como válida para o direito à autodeterminação dos povos - princípio que os governos portugueses, de então, nunca rejeitaram - seria o de a maioria da população desejar ser independente. Mas atrever-se-á MG e AA, ou quaisquer outros, a afirmar que a maioria da população de Angola, Guiné e Moçambique, ou sequer uma parte substancial dela, desejava ser independente?
E os que não desejavam que isso acontecesse não tinham o direito a lutar pelos seus ideais? (algumas povoações da costa sul de Angola são oriundos de portugueses vindos do Brasil após a independência deste, pois queriam continuar a ser portugueses e não brasileiros…). Mas se MG/ AA defendem tanto a auto - determinação dos povos (e nunca os vi/ouvi/li preocupados com as “colónias” russas que se estendiam do Cáucaso ao Pacífico (deve ser por terem ido a cavalo, enquanto nós fomos de navio…), tão pouco com o colonialismo americano que foi dizimando bisontes e índios até chegar à Califórnia, comprou territórios a russos, espanhóis, franceses e mexicanos e deitou a mão ao Hawai, Filipinas, Cuba, Porto Rico, etc., e ainda hoje tem “índios” metidos em reservas - porque é que não lutaram para que o MFA, de que faziam parte, promovesse a auto - determinação das populações perguntando-lhes qual o estatuto que queriam ter, entregando-as de mão beijada aos movimentos marxistas (e apenas esses) que tinham exercido guerrilha contra nós - e também aos que não tinham, como foi o caso de Cabo Verde, S. Tomé e Timor?
Essa auto-determinação que constava do Direito Internacional (DI), que tanto usam e abusam, para incriminar a acção dos governos portugueses que apenas se limitaram a defender a integridade dos territórios e a salvaguardar a fazenda e vidas das populações, que todos tínhamos herdado dos nossos maiores. E que dizer da “evolução” das normas do DI, digamos “colonial”, cozinhado nas alfurjas da ONU? Deram-se os conhecidos plumitivos ao trabalho de estudar essa diria involução - que foi fazer evoluir, sucessivamente, o clausulado para melhor se adaptar à escalada de condenação com que nos queriam apostrofar e derrotar? Fariam bem em fazê-lo, pois trata-se de uma das maiores nojeiras em termos de política internacional que apenas encontra paralelo nas piores acções da pérfida Albion. Enfim, quando se olha para as coisas com preconceitos ou apenas com um olho (neste caso o esquerdo) não é possível acertar no alvo! E não se consegue enganar toda a gente durante todo o tempo. 1 Com estes pontos prévios - que são fundamentais ao enquadramento geral tratados, apesar de superficialmente, e colocados no seu devido lugar, passamos à análise do que foi dito sobre a situação militar nos três teatros de operações (TO). Esta análise vai apenas reportar-se a alguns dos pontos citados por MG/AA e duma forma sucinta.
3. Situação Militar nos Três Teatros de Operações
“O inimigo atira pela porta da capela paroquial, salvem-nos. Morremos portugueses.”
(Apelo pela rádio dos heroicos defensores de Mucaba, antes de serem salvos pela acção da Força Aérea, 30 de Abril de 1961)
A. Angola
Na zona Norte onde já nada de significativo se passava desde fins de 1965 e a FNLA estava moribunda veio, segundo os autores, e foi verdade, considerada uma hipótese de ameaça (ataque) do tipo clássico sobre Cabinda, por parte da FNLA, agora apoiada por forças do Zaire. Havendo essa ameaça - e lembramos que uma ameaça é constituída pelo produto de uma capacidade por uma intenção (logo se um dos factores for “0” o resultado é zero) - ela parece bastante longe da importância da mesma ao considerá-la “de tal forma preocupante” (pág. 3) vejamos: Se a ameaça fosse séria como se explica que sendo esta assumida na Reunião do Conselho de Defesa Militar, de Angola, em 19/2/1974, só em 17/3 (um mês depois), o Comandante - Chefe se tenha preocupado em enviar uma mensagem ao MDN a 1 Para conhecer mais, favor ler o meu livro “Em Nome da Pátria”. informar? E só outro mês depois, a 20/4, é que a RAS responde em termos de poder enviar auxílio?
Deve acrescentar-se, desde já, que havendo acordos de cooperação políticomilitar entre Portugal, a RAS e a Rodésia, um apoio da RAS seria uma coisa normal de acontecer, tanto mais que os F-84, da Esquadra 93, já tinham sido abatidos, em Maio de 1973, e ainda não substituídos. Acresce que o Comando-Chefe tomou as providências que entendeu necessárias e reforçou as forças existentes em Cabinda. De facto nada se passou e não era sequer verosímil que se passasse. Primeiro porque não se divisava que objectivo pudesse ter a FNLA (que nunca tinha actuado em Cabinda) e o Zaire (Cabinda, seria quanto muito, zona de influência do ex-Congo Brazzaville), lembra-se ainda que o GRAE - Governo Revolucionário de Angola, no exílio - tinha deixado de ser reconhecido pela OUA, salvo erro desde 1969; depois porque seria duvidoso que os EUA vissem com bons olhos essa intervenção, dados os interesses petrolíferos existentes (a hipotética intervenção Líbia é, a essa luz, delirante!), terceiro porque seria de sucesso duvidoso, pois o potencial militar do Zaire estava longe de se poder bater connosco. Além disso podíamos sempre complicar-lhes a vida, utilizando os “Fiéis” catangueses, no seu território, bombardear e, até, ocupar as suas bases junto à fronteira, por um período limitado de tempo, e prejudicar-lhe a economia vedandolhes o Caminho – de - Ferro. E os 200 blindados (quais eram?) que valor teriam? Quantos estariam em estado de funcionamento? Qual a capacidade de manutenção e logística? Qual a proficiência das guarnições? Onde estavam colocados e quantos quilómetros teriam que percorrer para chegar a Cabinda? Ou seja estes “blindados” parecem mais um alvo (finalmente, remunerador), do que uma ameaça. E Mobutu devia saber isto muito bem e, talvez, lhe fosse difícil explicar como é que tinha em Kinshasa uma delegação oficial portuguesa que incluía um inspector da DGS, desde 1969… Que o Comandante-Chefe tenha considerado a ameaça não lhe retira credibilidade, antes pelo contrário, nem torna “absurda” a sua actuação (restando saber donde lhe vinham as “notícias”, o que não é irrelevante). Qualquer comandante que se preze tem o dever de “prever” e de perscrutar/antecipar ameaças, sobretudo as que são consideradas mais prováveis sem descurar as mais perigosas (as ameaças são graduadas, como MG/AA devem lembrar-se, mesmo atendendo aos anos que levam de reforma). Nada de novo nem de especial, portanto. Em resumo, a capacidade e a intenção de Mobutu em tornar a ameaça como efectiva parece ser zero e por isso nada se deu. A única coisa que, eventualmente, faz sentido em tudo isto seria Mobutu ter sabido ou suspeitado do que se preparava em Lisboa (25/4) e querer tomar uma atitude de modo a marcar posição para o que poderia vir, e veio. Isto para já não falar no plano mirabolante que Marcello Caetano (o maior responsável pelo 25/4 e não só) chegou a conceber para uma simulada independência branca em Angola, para esse ano de 1974… Finalmente, o plano de desenvolvimento sócio-económico de Kalabuza posto em marcha pelo Comandante de Cabinda, Brigadeiro Themudo Barata (preso, miseravelmente, como outros, depois do 25/4, por tropas portuguesas a mando do MFA, mancomunado com forças do MPLA), estava a dar muito bons resultados; as relações com o ex - Congo Brazzaville tenham melhorado, a tal ponto de uma estrada alcatroada que cruzava o território ter continuidade numa picada já naquele país e um livro escrito sobre a actividade do Batalhão de Cavalaria 3871 (Cavaleiros do Maiombe), que permaneceram em Cabinda entre Fevereiro de 1972 a Junho de 1974 (Miconge) - e teve oito mortos - nada referir relativamente à ameaça citada. 2
Vejamos a “Frente Leste”
A vitória na frente leste é contestada no documento, facto que tem sido desmentido por numerosos depoimentos de responsáveis militares que por lá combateram, como por documentos oficiais do Exército e, até, por responsáveis dos “Movimentos de Libertação”. É certo que a vitória total (política se quiserem) não se reporta apenas à componente militar, mas esta é a mais importante e se não for obtida a outra (política) jamais o será (esta uma das falácias da “solução política” tão apregoada). De qualquer modo o que estamos a tratar é da situação militar e essa parece que só aparenta gravidade na mente de MG/AA e restantes conhecidos. Sem embargo até o PCP (!), já publicamente aceitou a vitória das FAs portuguesas, em Angola. É evidente que o esforço do MPLA no Leste, a partir de 1970, alarmou o Comando Chefe e fez balancear o dispositivo para distritos onde a malha militar era débil, mas tudo se compôs. E a partir da notável acção do General B. Rodrigues e seu Estado-Maior, a partir de 1972, as forças que se nos opunham foram desbaratadas tendo-se conseguido um acordo muito positivo com a UNITA que a neutralizou.
Atacam os autores os aldeamentos em que afirmam que as autoridades portuguesas confinaram 800.000 do milhão de habitantes que a área tinha, quase deixando transparecer que os aldeamentos eram “campos de concentração”. É bom deixar claro que os aldeamentos levantavam alguns problemas (e exigiam investimento) e natural receio/oposição inicial por parte das populações quando eram deslocadas do seu “chão” (para já não falar no nomadismo de alguns). Mas nenhum Exército a braços com uma guerra subversiva o deixou de fazer. De facto, tratava-se da melhor maneira de subtrair a população (o principal alvo) ao inimigo (IN) e proporcionar-lhe defesa adequada, controle, administração local e melhorar o seu nível de vida, ao proporcionar-lhe segurança, trabalho, saúde, água, educação, etc. Poderia não ser o ideal mas era o possível e o necessário. E quem quisesse sair era livre de o fazer. Muitos dos aldeamentos estavam organizados em auto - defesa e ao subtrair a população ao IN, retirava-lhe influência ideológica, apoio logístico e fontes de recrutamento. Dificultava ainda, que o IN se misturasse com a população e passasse a ser mais dificilmente identificado. Minorava, por outro lado, as baixas colaterais.
E o que se afirma também é válido para os outros T.O. Subentender que tínhamos 35.000 homens no Leste só para os guardar é uma tolice que não resiste à mais elementar análise. Se assim fosse, as nossas tropas (NT) não fariam mais nada - e não consta que alguma vez tivessem parado as operações - 2 Da autoria do ex-alferes miliciano Mário Delgado. nem tal seria possível já que 35.000 homens nunca poderiam controlar 800.000 se estes não quisessem ser controlados… Relativamente às preocupações muito empoladas das autoridades militares Sul - Africanas, apesar do cuidado em se dizer que deviam ser “lidas à luz do interesse das RAS” (pag.6), elas referem-se à situação em 1968-1970, não em 1973, quando a situação ficou praticamente resolvida. Estavam preocupados com o conflito que viam como global para todo o Sul de África, o que não constituía nenhuma novidade; os portugueses também estavam, e eram estes quem estava na linha da frente a proteger-lhes a retaguarda!
Estavam preocupados em que houvesse guerrilheiros que pudessem percorrer o território de Angola (muitas centenas de quilómetros) para atingir o seu território e o do Sudoeste Africano? Pois estariam no seu direito, só não explicam é como é que nós poderíamos interditar a passagem de umas dezenas? Centenas? De guerrilheiros, através de uma fronteira enorme e de um espaço com centenas de milhares de Km2, escassamente povoado! Era grave a ameaça? Não parece, seguramente menos grave que a actuação da ETA entre a fronteira espanhola e francesa durante décadas… Deixam, contudo, os subscritores transparecer uma ideia errada (mais uma), ao focarem as relações com a Rodésia e a RAS, e que é esta: as autoridades portuguesas estariam muito pressionadas e de certo modo condicionadas na sua actuação pelas autoridades daqueles países.
Ora o que é um facto é que toda a colaboração e actuação foram feitas em estrita coordenação e nunca os militares sul - africanos ou rodesianos actuaram no nosso território sem serem devidamente autorizados e confinados aos ditames das autoridades portuguesas. E tal também é válido para Moçambique. E não me parece que, alguma vez, os Sul-Africanos e Rodesianos, nos tivessem a ensinar algo que já não soubéssemos, ou que combatessem melhor do que nós.
Finalmente a questão da UNITA.
O Comando-Chefe no Leste fez um acordo com a UNITA, movimento chefiado por Jonas Savimbi que se tentou adiantar na subversão atacando a povoação de Teixeira de Sousa, no saliente do Cazombo no natal de 1966 (onde deixou 500 mortos!) - o qual, na prática, garantia a paz com as NT ao passo que passaram a combater os movimentos rivais. Em 1973, porém, quando o General B. Rodrigues deixou o comando e foi substituído pelo General Hipólito este, por razões ainda não completamente apuradas, decidiu romper o acordo, unilateralmente, o que provocou natural reacção da UNITA. Ainda mais inexplicável foi a autorização ou não, do Comandante-Chefe General Luz Cunha e a falta de actuação enérgica por parte do então CEMGFA, General Costa Gomes, que tinha sido um dos co - obreiros do citado acordo. A pequena área de influência de Savimbi e o reduzido número de guerrilheiros e apoios de que dispunha, não eram de molde a torná-lo um problema complicado, além de que a insensatez do general Hipólito, podia ser corrigida a qualquer momento.
B. Moçambique
Aqui a situação “era crítica”… (pág.9). Comecemos por fazer uma análise sintética da cronologia apontada (pág. 9-19), que sustenta a classificação de “crítica”. Em 1972 (estamos a falar de um ano inteiro) são listados 15 eventos, às vezes simples entrevistas/reuniões, dos quais apenas cinco se referem a acções violentas, de que resultaram um morto e cinco feridos civis… Das acções violentas nada de grave se regista e quanto a questões políticas nada de anormal se passa. A única coisa relevante é o início dos ataques no distrito de Manica-Sofala, no dia 25 de Julho, o que representa uma extensão da subversão para sul do rio Zambeze e em direcção ao importante “corredor da Beira” (apenas se refere uma acção). Certamente que se podia arranjar mais qualquer coisa para considerar a situação de “crítica”! Relativamente a 1973 já se referem 25 eventos, nove dos quais com acções violentas de que resultaram sete mortos, 25 feridos e três raptados (houve muitos mais…). Já se refere alguns danos materiais, incluindo viaturas e caminho-de-ferro e ainda um caça e um helicóptero abatidos, apesar do “caça” não ter sido abatido mas sim destruído pelo rebentamento de uma bomba, na largada (o piloto, Tenente Lourenço, morreu). O DC-3 referido como tendo sido alvejado em 13/9, reporta-se ao atingido por um SAM7 (que não explodiu), em 6/5/74; o DC-3 referido como tendo sido atingido por fogo anti – aéreo, em 8/1/74, acidentou-se, era o 6162. São referidas acções de forças rodesianas (que sofreram três mortos) ao abrigo dos acordos existentes. Só é referida uma única acção violenta em Manica e Sofala, um ano depois da última referenciada. De relevante, em termos político-militares, é referido (e correctamente), o crescente conflito e diferenças de ponto de vista entre o Comandante - Chefe General Kaúlza de Arriaga e o CEMGFA General Costa Gomes, o MDN e o PCM Marcello Caetano, que viriam a inviabilizar o prolongamento da extensão da sua comissão (depois de 31/7/73), após esta ter estado acordada e a pedido do governo. Porém, não se vislumbra que estes desentendimentos possam ter influído nas iniciativas da FRELIMO nem afectaram a cadeia de comando nacional. Todos os eventos referidos estão longe de esgotar o ocorrido. Quanto a 1974 (até fins de Abril) é referido um aumento significativo da actividade registada (teriam, os autores, sido aqui exaustivos, para fazer crer aos leitores que houve um aumento “exponencial” da guerrilha?).
Vejamos, são referidos 20 eventos que não envolvem acções violentas e 46 destas acções, de que resultaram 25 mortos (16 civis, 5 militares e quatro guardas), 49 feridos (44 civis, quatro militares e um guarda) e quatro civis raptados. São referidos ainda o abate de três aviões rodesianos, e um helicóptero (destruído) e dois DC-3 atingidos; danos em povoações, quartéis e caminho – de - ferro. De relevante nota-se, o aparecimento do míssil SAM-7 no T.O. de Moçambique, que já não apanhou as nossas forças de surpresa (a DGS tinha detectado a partida de 39 elementos da Frelimo para a URSS, em Agosto de 73, para serem treinados no Strella, pelo que se esperava que os misseis apareceriam em Moçambique a partir de Janeiro de 74)3, e o aumento significativo das acções no distrito de Manica-Sofala (14), embora de baixa intensidade.
A cronologia apontada posta desta maneira, certamente que configura uma leitura diferente…
Ora se aquilo que foi referido consegue colocar um território nove vezes superior à Metrópole e com sete milhões de habitantes e os seus 53.000 militares que já contavam com uma experiência de 10 anos de operações, á beira de uma situação “crítica”, os leitores ajuizarão. Não sei o que diriam os autores, por exemplo, se no período considerado tivesse havido um acidente (o maior de toda a guerra) na travessia de um rio, em que morreram 101 militares, em 21 de Junho de 1969… E isto sem que MG/AA tenham sequer considerado qualquer acção das NT (parece que estavam todos “firmes, hirtos e voltados para a frente”), quando durante o consulado do General Kaúlza de Arriaga se verificaram uma média de 150 operações por dia… Percebe-se, os guerrilheiros eram invulneráveis às balas já que não se conseguiu contar sequer um único guerrilheiro morto! Mas sejamos magnânimos e ajudemos os esforçados historiadores: o Exército português sofreu em Moçambique 4: 1972 1973 1974 (até 30 de Abril) Motivo/anos M (L) M (L) M(L) Mortos em Combate 126 (92) 115 (87) 27 (18) Acidentes c/armas 9 (15) 25 (20) 6 (14) Acidentes viação 9 (46) 33 (31) 9 (10) Outras causas 27 (38) 29 (59) 19 (14)
Total 171 (191) 202 (197) 61 (56) Totais 362 399 117* *se extrapolarmos para todo o ano teremos 3x117=351
M – Metrópole (L) - Recrutamento local Falta contabilizar os mortos da FA e Armada, sendo que aquela teve 149 mortos em 10 anos de guerra e esta 29. Ou seja, tínhamos sensivelmente um morto por dia, a que se têm que juntar os mortos por outras causas. Quanto a perdas da FRELIMO apenas as podemos estimar pois não há estatísticas fiáveis, digamos que se multiplicarmos por três teremos um número aproximado. 3 Um oficial, o então capitão Balacó, que estava em Moçambique, foi enviado à Guiné, em finais de 73, para se inteirar das tácticas para enfrentar o SAM 7. 4 Fonte CECA “Resenha Histórica-Militar das Campanhas de África (1961-1974) ”; Lisboa, 1988.
Como exemplo podemos adiantar que, em 1973, foram contabilizados cerca de 1784 mortos confirmados5.
Ainda algumas notas:
Havia cerca de 500 padres e missionários em Moçambique, dos quais apenas 50 de algum modo se mostraram hostis (e muitos eram estrangeiros); as críticas de alguns bispos inseriam-se na luta dos chamados “católicos progressistas” cuja expressão maior veio a expressar-se na vigília da Capela do Rato em Lisboa; encontravam ainda apoios em algumas correntes da Igreja saídas do Concílio Vaticano II. Estavam longe de representar a posição da grande maioria do clero e da hierarquia da Igreja Portuguesa. Ser-se contra a guerra é uma declaração de princípio que só fica bem aos cristãos, encontrar soluções para os conflitos é já mais difícil. Que soluções apontavam os bispos moçambicanos referidos? As preocupações manifestadas pelo(s) comandantes-chefes não têm nada a ver com o considerar-se a situação desesperada. Todos os comandantes pedem mais meios e gostavam de ter mais meios. Perspectivar lealmente as ameaças é um dever que os obriga. Ter uma ideia do panorama geral, também. “Absurdo” é fazer de outro modo…
Muitos dos desaguisados com o General Kaúlza de Arriaga têm a ver com a sua forte personalidade e o seu grande ego. Digamos que o General tinha qualidades suficientes que justificavam esse “ego”. Nem sempre as suas ideias caíam bem ou eram bem interpretadas. Faz parte da natureza humana. Sem embargo é preciso ter em conta o seguinte: Marcello Caetano (MC) e Costa Gomes estavam longe de ter simpatia por Kaúlza pela simples razão de que aqueles estiveram metidos na “Abrilada” de 1961 e este foi um dos principais opositores e mesmo aquele cuja acção mais contribuiu para que Salazar se mantivesse no Poder. O MDN, Sá Viana Rebelo, é um personagem sob quem impendem muitas dúvidas. Sendo membro do governo é natural que seguisse MC (que teve o cuidado de “recuperar” os principais obreiros do golpe Botelho Moniz logo após tomar posse como Chefe do Governo); é ele também o responsável pelos decretos leis, desastrosos, que puseram o “Movimento dos Capitães” em marcha; depois do 25 de Abril nunca foi molestado. Por último MC - que considerava a situação em Moçambique pior do que na Guiné - andava furioso por causa do chamado “massacre de Wiriamu” (ocorrido em 16 de Dezembro de 72, mas só divulgado, internacionalmente, em 10 de Julho de 73), que lhe tinha estragado a visita a Londres, ocorrida entre 16 e 19 de Julho de 1973 e, ainda, por ao fim de três inquéritos não se ter encontrado nenhum responsável susceptível de ser condenado (acabou a demitir o Governador de Tete, Coronel Videira, o que configurou uma injustiça flagrante. O acordo de Lusaca referido, mas não explicitado, que o Eng.º Jorge Jardim (homem de mão de Salazar, mas não de MC) terá concebido com o Presidente Kaúnda, da Zâmbia, em 1973, numa tentativa de encontrar uma solução “política” 5 Fonte, Boletins de Informação, do Estado - Maior do Exército. para a guerra, deve ser aquele que é descrito no livro de Jardim “Moçambique, Terra Queimada”.
Não cabe aqui analisar tudo o que se passou, por demasiado extenso, apenas se refere que esse plano andava a ser marinado desde 1964 e que havia outro interveniente de peso, nessa solução que era o Presidente Banda do Malawi. O plano visava uma independência futura, feita com prudência e com o acordo das principais partes e nem sempre todas as iniciativas foram do conhecimento do governo central. Ora isto não tem nada a ver com um “súbito” agravamento da situação, como perspectivado pela cronologia apresentada. De resto todo o “plano” foi tragado pela voragem dos acontecimentos que se seguiram ao 25/4. De tudo o que foi dito havia apenas um acontecimento que se revestia da maior gravidade, tratava-se das reacções insensatas e descabeladas de parte da população branca de Vila Perry e da Beira e das manifestações que realizaram contra as FAs, acusadas de nada fazerem para os proteger (e resta ainda apurar quem as promoveu).
A FRELIMO tinha, num esforço tremendo que a esgotou, conseguido infiltrar grupos de guerrilheiros - cujo efectivo nunca deve ter ultrapassado os 150 efectivos - nos distritos da Zona Centro, chegando a 200 Km da Beira. Não tinham sequer material pesado limitando-se a atacar fazendeiros e viaturas isoladas e tentarem sabotar o caminho – de - ferro perto da Inhaminga (esta área tinha, entretanto, sido reforçada com uma companhia de comandos, uma de paraquedistas e um grupo especial para-quedista 6. Estes pequenos grupos de guerrilheiros eram de difícil localização, mas acabariam por ser detectados e destruídos. O problema é que a sua acção em zonas onde a FRELIMO nunca se aventurara causou um alarme algo histérico na população branca - que, ao contrário da de Angola, nunca tinha visto nem sentido a guerra com extensos danos psicológicos. Estes danos foram extensivos às forças militares já que ninguém gosta de ser maltratado por quem está a ser defendido com risco de vida. Esta era a única situação verdadeiramente perigosa - pois punha em causa a coesão do esforço nacional - e tinha que ser atacada “com pinças”, mas energicamente, por parte das autoridades civis e militares. No mais tudo funcionava, não havia disrupção das actividades económicas, sociais, etc., nem constrangimentos insuperáveis à liberdade de acção tanto das autoridades civis como militares.
Deixamos os leitores com um dos fautores da “débacle” nacional e que, seguramente, não pode ser confundido com os quatro generais autores da “Vitória Traída”, o Marechal Spínola, no seu livro “País sem Rumo”, afirma (nota de rodapé, pág. 290), o seguinte:
“De acordo com afirmações produzidas por representantes qualificados da Frelimo, este juízo da situação militar de Moçambique carecia de fundamento. Segundo estes representantes, a Frelimo atravessara duas fases críticas: em 1970 estivera à beira do colapso total no final da operação “Nó Górdio”, devido ao volumoso número de baixas sofridas e, em 1974, quando o desencadeamento da 6 Directiva Operacional 2/74, de 23/2/74 do Comando - Chefe. Revolução de Abril, atravessava uma fase grave de desmoralização motivada por dificuldades insuperáveis de recompletamento de efectivos, cansaço e hostilidade das populações, o que os levou a afirmar que a Revolução de Abril tinha apanhado a Frelimo em fase crítica de desequilíbrio e que esta devia exclusivamente ao MFA a sua recuperação”.
C. Guiné (a que, supostamente, estava pior – pág. 19)
Vamos adoptar neste caso uma nova aproximação ao problema: em vez de termos em conta a longa cronologia apresentada (a não ser em termos pontuais que sejam pertinentes) vamos atacar directamente a questão primordial. E a questão primordial, no período considerado, foi uma tentativa muito bem urdida (certamente com apoio soviético e cubano, em Conakry), para nos fazer ajoelhar militarmente. O período de maior intensidade nas operações do PAIGC era o segundo trimestre da época seca, ou seja os meses de Março, Abril e Maio. Os meses anteriores eram de preparação, reunião de tropas e meios logísticos. A época das chuvas não era favorável a operações militares mesmo para a guerrilha. A grande ofensiva militar contava com a introdução de uma arma nova, o míssil SAM-7 “Strella”, com o que se pretendia acabar com a superioridade aérea portuguesa factor que, até então, era o principal responsável para que o diferencial do potencial de combate favorecesse as NT. O primeiro míssil foi disparado a 20 de Março de 1973, e não a 25 como referido, (pág. 20), dois meses depois do assassinato de Amílcar Cabral. Sabe-se hoje que este líder guerrilheiro (o mais capaz deles todos), se opôs ou teve reticências à utilização desta arma pois temia uma escalada na guerra. Por isto e por ser um moderado de formação portuguesa, pagou com a vida, pois era um obstáculo à ala dura e marxista do PAIGC e do seu principal apoiante, o sanguinário Sekou Touré. O aparecimento desta nova e moderna arma, que já tinha sido referenciada pelos serviços de informação portugueses, mas não devidamente identificada, causou surpresa e um número elevado de baixas tanto em aeronaves como em tripulações, de que resultou ser o Grupo Operacional 12, a unidade militar que maior percentagem de baixas sofreu em toda a guerra. Este facto causou naturais perturbações na actividade aérea e no moral do pessoal sobretudo por ainda não se conhecer a totalidade das características e potencial da arma e por isso poder determinar - se como lhe fazer face. A Força Aérea iria passar pela fase mais crítica de toda a sua existência. Saiu-se bem a FA, sobretudo por ter encontrado um comandante, o Coronel Moura Pinto, à altura da situação, não hesitando em liderar pelo exemplo. O Estado - Maior da FA, com a ajuda da F.A. Americana, conseguiu as informações necessárias que permitiram adequar as tácticas e as técnicas de modo a fazer face à nova ameaça, pelo que em fins de Abril, se passaram a efectuar todo o tipo de missões com constrangimentos variáveis.
A FA tinha perdido a supremacia aérea, mas não tinha perdido a superioridade aérea. No fim do ano o PAIGC tinha já praticamente esgotado o seu “stock” de mísseis (crê-se que receberam cerca de 55). Com este pano de fundo o PAIGC concentrou forças de infantaria e artilharia em elevado número para atacar em simultâneo (embora o tivesse feito com 10 dias de diferença), duas guarnições de fronteira, com o objectivo de aniquilar a sua defesa e tomá-las: Guidage, no Norte e Guilege, no Sul. O ataque a Guidage iniciou-se a 8 de Maio e durou até 8 de Junho (um mês). A situação revelou-se muito grave, não só porque a vida da guarnição e da população se tornou muito dura, com muitos bombardeamentos e muitas baixas, como foi muito difícil passar a abastecê-la, pois a povoação foi cercada e as vias de acesso minadas. Foi necessário ao Comando - Chefe, em Bissau, empenhar a quase totalidade das suas forças de intervenção e reserva; reforçar a povoação com uma companhia de paraquedistas, que teve que forçar o cerco à custa de duros combates e, ainda, se lançou uma grande operação a cargo do Batalhão de Comandos, que atacou e destruiu a grande base de Cumbamori, em 17/5, a fim de aliviar a pressão e eliminar a principal fonte logística das forças do PAIGC, que actuavam sobre Guidage. As NT aguentaram a pressão e o IN abandonou o ataque a 8 de Junho.
No Sul as coisas correram pior. Guilege começou a ser duramente flagelada a 18 de Maio. Porém os estragos não eram importantes e registava-se apenas 1 morto e dois feridos, principalmente devido ao facto do aquartelamento ser o único em toda a Guiné que tinha abrigos de betão. Sem embargo Guilege tinha um ponto fraco: não tinha um furo artesiano que lhe fornecesse água, pelo que esta tinha que ser recolhida a cerca de dois km, o que resultava uma vulnerabilidade grave. A FA apoiava as NT de dia, com ataques de G- 91 e, à noite, com bombardeamentos “à zona” utilizando um DC-3 adaptado! O Comandante, Major Coutinho e Lima, foi a Bissau pedir reforços ao General Spínola. Este, por razões que desconheço, tratou mal este oficial e negou-lhe auxílio (possivelmente por não ter unidades disponíveis). E antes do major se retirar disse-lhe que lhe ia enviar um oficial mais antigo (o Coronel Durão) que ia passar a ser o comandante e ele, major, passava a seu adjunto. Imagine-se a humilhação deste oficial. Regressou a Guilege para verificar que um último bombardeamento tinha destruído o posto de rádio. Depois de conferenciar com os seus oficiais e crê-se que o relacionamento/comando não seria também o melhor - decidiu retirar, sem estar autorizado para o fazer, para Gadamael-Porto. A retirada (com toda a população, cerca de 500 pessoas – o que demonstra que esta estava do nosso lado) foi feita durante a noite e correu bem já que as forças do PAIGC não se aperceberam de nada e só entraram no quartel dois dias depois…
O General Spínola deu voz de prisão ao major. Com Gadamael-Porto em grande confusão e Gadamael - outra povoação perto de Guilege - completamente exposta, passou esta a ser atacada. Forças paraquedistas, entretanto libertas, foram reforçá-la e passaram a bater o terreno à sua volta. A ofensiva parou, mas o abandono de Guilege (que, inexplicavelmente, nunca mais foi reocupado) podia ter feito desmoronar o dispositivo português, no Sul, por efeito dominó, como um baralho de cartas. Dizem os autores do “manifesto” que durante toda a ofensiva as NT sofreram 47 ataques e tiveram 39 mortos e 122 feridos. Bom, só no acidente ao atravessar o Rio Corubal, após a evacuação de Madina do Boé, em 6 de Fevereiro de 1969, morreram 47 militares…
A ofensiva foi dura e difícil? Foi; causou estragos e baixas? Causou. Quem vai à guerra dá e leva. Mas, no fim, nós ganhámos, eles perderam. E a vitória teria sido completa não fora o percalço de Guilege. No todo as NT portaram-se muito bem, com especial relevo para o Grupo Operacional 12 e o Batalhão de Paraquedistas 12, ambos sediados em Bissalanca. Esta seria a síntese mais importante a tirar… Na sequência, o PAIGC aproveitando o ermamento que o General Spínola tinha feito da zona do Boé, proclamou a independência, em 24 de Setembro de 1973. Não foi propriamente em Madina, mas em Locajol, pequena povoação ao lado da fronteira, não fosse alguém aparecer por lá…
Logo cerca de oito dezenas de países (os do costume!) reconheceram a nova Guiné-Bissau, sem Guiné e sem Bissau. Foi de facto um gesto que fez bem ao ego de quem nos atacava, mas na realidade prática o que representava? Representava apenas hipóteses, que até ao 25/4 nunca se verificaram. Porém sendo hipóteses, ficava bem ao comando - chefe e ao governo equacionar e ponderar. Entre o fim da ofensiva a 8 de Junho de 73 e o fim do ano, a situação voltou ao normal e não nos abateram sequer mais nenhum meio aéreo. A partir de Janeiro de 74, porém, houve algum recrudescimento da actividade do PAIGC com abundantes bombardeamentos de artilharia (donde se destacavam os terríveis foguetões de 122 mm mas, felizmente para nós, com muito pouca pontaria. A zona mais causticada foi Canquelifá, até que o Batalhão de Comandos atacou, com sucesso, as bases de fogos do PAIGC, entre 21 e 31/3, e a coisa terminou (operação “Neve Gelada” - raio de nome!)
CONSIDERAÇÕES DIVERSAS
É inegável que houve, a partir de 1973 (morte de Amílcar Cabral), uma mudança de actuação por parte do PAIGC, um aumento do potencial de combate a seu favor e uma melhor eficácia de tácticas e técnicas. Tudo isto se deveu a um forte apoio dos países comunistas, sobretudo da URSS e Cuba no seguimento da operação “Mar Verde” e da morte de A. Cabral (deve recordar-se que a URSS nunca tinha perdoado ao nosso país ter contribuído, decisivamente, para o fracasso da implantação do comunismo na Península Ibérica, durante a Guerra Civil de Espanha). Tais modificações não foram antecipadas convenientemente pelas nossas autoridades. Para além da ofensiva, que conseguimos fazer gorar, restou alguma perda de moral nas NT (ter passado a haver mais constrangimentos à evacuação aérea de feridos, não ajudou nada), e o facto, que poderia tornar-se preocupante, do PAIGC ter conseguido, pela primeira vez, efectuar atentados dentro de Bissau. Foi referido, por várias vezes, a existência de viaturas blindadas (seriam as BRDM-2), mas não se especificando, tal pode criar confusões. Viaturas blindadas de transporte de tropas, não é a mesma coisa que blindados ou carros de combate. Viaturas blindadas também as NT passaram a ter, as “chaimites”. Havia muitos boatos a correr… Sem dúvida era urgente substituir o material gasto e adquirir outro mais moderno e as autoridades nacionais atrasaram-se muito a fazer isto, independentemente das dificuldades existentes. No entanto tal não tinha a ver com não haver dinheiro, como aduzido por MG/AA (pág. 31), que por ser um erro grosseiro, não carece de rebatimento.
Mas não quer dizer que não se tivesse iniciado a procura de aviões de combate, transporte (de que chegaram a ser adquiridos os Aviocar e o FTB 337), helicópteros de ataque e mísseis anti - aéreos (crê-se que os “crotale” já estavam em fase avançada de adjudicação). E estavam para entrar ao serviço 10 corvetas especialmente desenhadas para África. Muito mais haveria a fazer mas, para tal, era necessário acabar com as dúvidas, indecisões e tergivizasões existentes em Lisboa. O IN, apesar do aumento e melhoria do seu material também tinha dificuldades. De facto o seu nível de instrução, treino e capacidade de operar equipamentos mais sofisticados era limitada; as potências fornecedoras tinham receio em entregar material moderno, pois receavam que caísse nas nossas mãos e armazenar e manter material sofisticado nas condições marginais em que a guerrilha operava, era uma dor de cabeça muito grande. De tudo isto resultava uma necessidade e visibilidade maior de instrutores estrangeiros o que punha em causa a teoria da luta pela “autodeterminação dos povos”. Da análise do relatório da reunião realizada no Comando - Chefe em Bissau, em 15 de Maio de 1973 - um documento de análise muito importante (mas que deve ser lido com “olhos de ver”) - retira-se um quadro cru da situação, em que se equacionam as ameaças existentes e possíveis. Não se considera ser um relatório optimista, nem pessimista. Porém, dele não ressalta um colapso das NT a curto prazo - apesar de a reunião ocorrer no pico da ofensiva em curso (e Guilege ainda não tinha sido atacada). Lista-se uma necessidade de meios (creio que realista e económica relativamente à FA e algo “optimizada” em relação ao Exército e Marinha). Fala-se em unidades com elementos brancos não identificados e, até hoje, ainda não se conseguiu encontrar alguém que os identificasse; topa-se com uma frase do General Spínola “as implicações da carência de meios para enfrentar a ofensiva do PAIGC conduziam a opções que ultrapassavam a sua esfera de responsabilidade” (pág. 22). Que seria que ele queria dizer com isto? Por último uma dúvida: na sua intervenção final na citada reunião, Spínola é perenptório em dizer que não se devia reduzir o dispositivo, a fim de não desproteger a população e deitar por terra a sua política (aliás correcta) de desenvolvimento político-social-económico. Mas depois, aquando da reunião de comandos em Bissau, a 8 de Junho, em que participou o CEMGFA, General Costa Gomes, foi decidido remodelar o dispositivo de modo a “trocar espaço por tempo” (pág.23), que previa retirar as guarnições militares da faixa fronteiriça de modo a pô-los a coberto dos ataques de artilharia do outro lado da fronteira e permitir uma maior concentração e complementaridade de esforço, com definição de pontos - chave a defender “a todo o custo” (não teria sido este o conceito de manobra previsto em Goa, e tão condenado?).
Mas, afinal o que fez balancear o General Spínola para este conceito, depois de o ter condenado liminarmente na reunião de 15/5? E porque nunca chegou a ser posto em prática? E porque se queria agora novamente reocupar o Boé, depois de o ter abandonado, será que queriam emendar um erro? E que terá levado também, o novo Comandante - Chefe, General B. Rodrigues a reavaliar toda a situação, não tendo sido abandonada nenhuma povoação? E porque não forçou o CEMGFA a implementação de uma ideia de que ele teria sido, possivelmente, o principal defensor? Sem embargo das dificuldades reais e sentidas na situação militar, um factor existiu que se estima muito mais grave do que aquela: o conflito crescente entre Marcello Caetano e Spínola. Este conflito culminou com a proibição, por parte de Lisboa, de negociações com o PAIGC, na sequência da sugestão de Senghor durante o encontro com Spínola, em Cap Skiring (Senegal), em 18/5/72. E, ainda, por causa de uma conversa que correu mal entre o Presidente do Conselho de Ministros (PCM) e o Governador da Guiné, em que este ficou escandalizado por ter inferido que o governo não se importava que ocorresse uma derrota militar na Guiné, o que fez ressuscitar os fantasmas da Índia. O estado de espírito do general não seria dos melhores e tal estado de espírito veio a contaminar, naturalmente, o seu QG. Até que ponto esta situação desmoralizou o Comando na Província é passível de especulação. Bom não foi certamente e seguramente que veio a influenciar o “MFA” local (1ª reunião de 50 oficiais a 21/8/73, em Bissau). Ao contrário do conflito com Kaulza Arriaga, em Moçambique, este parece ter tido consequências na cadeia de comando e no moral das tropas.
Hoje podemos ter uma visão mais clara sobre o que se passou - embora as verdadeiras intenções dos protagonistas sejam difíceis de perscrutar - o Governo não quis deixar “cair” a Guiné, pois nomeou um dos melhores generais no activo, para substituir Spínola e a defender, e quanto à proibição dos contactos com Amílcar Cabral, nas condições propostas, os argumentos aduzidos eram lógicos e pertinentes.7 O General Spínola abandonou a Guiné (a seu pedido) para ir escrever o “Portugal e o Futuro” (ou alguém por ele); arranjaram-lhe um cargo que não 7 Ver Marcello Caetano “Depoimento”, Record”, Rio de Janeiro, 1974, pág. 190. existia, o de Vice-CEMGFA e mandaram-no visitar Angola e Moçambique, para ele não ter uma visão do mundo apenas “pela fresta de Bissau”. E ainda está por apurar se alguém em sua representação, esteve presente ou não, entre as cúpulas do recém - formado PS e o PCP, em 1973, onde estes combinaram a estratégia final de assalto ao poder em Portugal. Coisa que talvez MG/AA nos possam vir a elucidar no futuro.
Mortos na Província da Guiné
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