'Sinto nojo de mim mesma', afirma jovem síria
vendida para se casar
Aos 13 anos, Gazhal conta que sofreu abusos no primeiro casamento.
Centenas de meninas sírias são vendidas a homens muito mais velhos.
No norte da Jordânia, a poucos quilômetros da
fronteira com a Síria, o campo de Al-Zaatari recebe cerca de dois mil
refugiados por dia. São famílias que deixam o país de origem sem levar
quase nada e procuram um espaço para suas barracas ou trailers doados
pela
Arábia Saudita
, Catar,
Kuwait
ou pelo sultanato de
Omã
. As 150 mil pessoas que vivem no espaço – uma área
equivalente a 530 campos de futebol no meio do deserto – perderam pelo
menos um parente na guerra civil síria.
“Fugi da
Síria
devido à terrível violência da guerra e do regime de
Assad. Vim para cá para fugir do caos e da insegurança. Sou um ser
humano normal e só quero ter uma vida normal em uma casa decente”, conta
o dirigente do campo de refugiados, Maruan Oslan. Com sete milhões de
habitantes, a
Jordânia
abriga mais de 500 mil sírios, dois milhões
palestinos e 750 mil iraquianos.
A maioria da população de Al-Zaatari é composta por
crianças e adolescentes. Alguns vão às escolas financiadas pela
ONU
e pela União Europeia, mas há muitos, especialmente
meninas a partir dos 13 anos, que foram forçados a abandonar as salas de
aula. Com o grande número de casos de abuso sexual, algumas – mesmo não
sendo muçulmanas praticantes – preferem cobrir o corpo todo, deixando
aparecer apenas os olhos sob o véu para não chamar a atenção. É uma
forma de se sentirem mais respeitadas e protegidas.
Pais vendem filhas para se casar
Mesmo assim, centenas de meninas sírias entre 13 e
16 anos são forçadas ao casamento com homens muito mais velhos. Elas são
vendidas para homens de fora do campo, normalmente do Golfo Pérsico. Os
pais recebem entre US$ 2 mil e US$ 5 mil, dependendo de fatores como a
beleza e a virgindade das jovens. Os noivos em potencial podem escolher
as meninas por foto e, se pagarem uma taxa de US$ 50, têm o direito de
ver o rosto que elas escondem sob o véu. O encontro é marcado em um
local público e, se o homem gosta da menina, a transação é fechada.
“Não lhes importa a nacionalidade do noivo, a idade,
o aspecto físico. Tudo o que lhes importa é se tem dinheiro ou não.
Isso vale para as jovens e para as mais velhas”, conta a negociadora Um
Muhamad, que vendeu mais de mil meninas em 18 meses. Ela diz que recebe
ligações tanto de famílias querendo vender as filhas quanto de homens
interessados em uma esposa.
A negociadora sabe dos abusos cometidos pelos
maridos e afirma que teme pelas meninas. “No fundo, são elas que
suplicam que lhes encontre noivos. Elas têm consciência do que pode
acontecer, para o bem e para o mal”, aponta Um Muhamad, que tem duas
filhas e destaca que permitira que elas se casassem dessa maneira. “A
nossa situação é difícil. Ninguém tem pena de nós. Quando tiverem 12 ou
13 anos, é normal. Antes isso do que se tornar prostituta”, compara.
Com apenas 13 anos, Ola vai se casar com um homem de
60. Segundo ela, a família precisa do dinheiro e não há alternativa
para livrá-los da difícil situação financeira em que vivem. “Eu me sinto
triste, mas sei que preciso fazer isso para ajudar meus pais e meus
irmãos. Eu tenho medo, mas isso foi o que Deus decidiu para mim, e
espero que ele seja bom comigo”, afirma a jovem.
Gazhal, de 16 anos, vai se casar pela segunda vez,
apesar do trauma vivido no primeiro casamento, que fez com que ela
precisasse de tratamento psiquiátrico. “Vivi com meu marido menos de
dois meses. O tempo todo ele me batia, estrangulava, bebia e se
relacionava com outras mulheres. Não tinha vergonha de fazer isso.
Quando entramos juntos no quarto, foi o pior momento da minha vida. Eu
me odeio, sinto nojo de mim mesma”, revela.
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