Notícia SÁBADO
Alegre incentivou ataques à bomba em Portugal
29-11-2010
Por Pedro Jorge Castro
Em Setembro de 1970, dois meses depois da morte de Salazar, a polícia política começou a receber informações de que se preparava o sequestro de altas figuras do Estado, para forçar uma demissão de Marcello Caetano. Além de emitir recomendações para tornar mais seguras as viagens dos políticos, a DGS (Direcção-Geral de Segurança, correspondente à antiga PIDE) elaborou então um pequeno livro para distribuir por todos os postos policiais com o título Fotografias de 109 Elementos Perigosos. Na introdução surgia o alerta: “Alguns deles, pelo seu passado, consideram-se capazes de reagir violentamente.” No canto superior direito da página 9, aparece um jovem assim descrito: “Altura 1,73; olhos verdes; nascido a 12/5/936; Natural Águeda.” Por baixo da imagem está o nome de Manuel Alegre.
Quarenta anos antes de ser pela segunda vez candidato à Presidência da República, com o apoio do PS e do Bloco de Esquerda, o poeta aparecia em 34.º lugar na lista de potenciais suspeitos de actividades terroristas ou de membros de organizações de esquerda apoiadas, julgava a PIDE-DGS, por “movimentos terroristas” com origem em Cuba e nos países árabes. O livro não juntava os maiores opositores do regime de Marcello Caetano (Mário Soares e Álvaro Cunhal não constam, por exemplo), mas sim aqueles que a polícia política considerava “empenhados em desenvolverem acções violentas em território nacional”. O primeiro era Palma Inácio.
Aos 34 anos, Manuel Alegre tinha já um razoável currículo de combate à ditadura, mas foi depois de sair este documento policial que se destacou na defesa da luta armada, como mostram as 1364 folhas arquivadas na PIDE em seu nome e os 19 volumes sobre as Brigadas Revolucionárias e a Frente Patriótica de Libertação Nacional (FPLN), uma organização que juntava o PCP e os apoiantes de Humberto Delgado, general derrotado fraudulentamente nas presidenciais de 1958.
Alegre encontrava-se no exílio, em Argel, desde 1964, e era o principal locutor da Rádio Voz da Liberdade, emissora clandestina ao serviço da FPLN. Em 1968, encontrou-se em Paris com Carlos Antunes, um militante comunista desiludido, como ele, com a invasão da Checoslováquia, e interessado, como ele, em radicalizar a luta contra o regime e avançar com acções armadas contra o aparelho de guerra colonial, que se arrastava desde o início da década. Carlos Antunes conta à SÁBADO que rompeu com Cunhal e se deslocou a Argel, em segredo, para, com Alegre e Piteira Santos, expulsar da Frente Patriótica o representante do PCP, Pedro Soares, numa reunião de que este estava ausente – a ruptura foi comunicada à mulher do dirigente comunista, que também pertencia à FPLN.
Uma das primeiras medidas da liderança de Manuel Alegre e Piteira Santos na Frente foi a edição do Pequeno Manual do Guerrilheiro Urbano, um texto de Carlos Marighella, o mais destemido e perigoso guerrilheiro brasileiro. As 50 páginas davam à população civil conselhos práticos para se juntar à luta armada, com os objectivos de expropriar o governo e os capitalistas e de concretizar “a liquidação física dos chefes e dos subalternos das forças armadas e da polícia”.
Carlos Marighella aconselhava a “pistola metralhadora ideal para o guerrilheiro urbano” (a INA, calibre 45) e descrevia as 14 formas de acção que o guerrilheiro podia empreender, das emboscadas às tácticas de rua, passando pelo “sequestro de personalidades conhecidas” para propagandear ideias revolucionárias. Marighella defendia ainda: “O terrorismo é uma arma a que o revolucionário nunca pode renunciar.” Um exemplar guardado pela PIDE permite ver que tinha quatro metralhadoras e as iniciais FPLN na capa, era vendido a 3 francos e foi feita uma introdução onde se admitia que São Paulo não era Lisboa, mas alegava: “Torna-se indispensável que [os leitores] conheçam (...) outras técnicas de combate”.
Algumas escutas das emissões da Voz da Liberdade consultadas pela SÁBADO na Torre doTombo permitem perceber que Manuel Alegre lançava apelos à deserção (apesar de ele próprio não ter desertado) e à sabotagem de objectivos militares. Enquanto o poeta combatia o salazarismo através de três emissões de rádio por semana, de cerca de uma hora, a partir das 0h15, Carlos Antunes reentrou em Portugal e, através de um contacto de um primo da mulher, Isabel do Carmo, fundou na Margem Sul duas Brigadas Revolucionárias, pequenos grupos de opositores do regime, que preparavam atentados em que conseguissem boicotar o esforço na guerra colonial.
Estrearam-se a 7 de Novembro de 1971, com a sabotagem de uma base da NATO na Fonte da Telha. Até 9 de Abril de 1974, praticaram mais 14 acções, na maioria recorrendo ao uso de explosivos: foi assim que eliminaram uma bateria de canhões, destruíram 15 camiões do exército e inutilizaram o navio Niassa, antes de este transportar soldados para o Ultramar.
Segundo Carlos Antunes, após cada acção das Brigadas Revolucionárias, os operacionais disfarçavam-se de jornalistas do Comércio do Porto para analisar os estragos e escrever o balanço do atentado. Estes documentos chegavam à Argélia poucos dias depois, através de um código feito a partir de um livro (com indicação das palavras a partir apenas da página e da linha de um livro que estivesse na posse das duas partes). Depois, o fundador das Brigadas ouvia as emissões da rádio, onde, lembra, Manuel Alegre lia depois os comunicados com grande entusiasmo, ao mesmo tempo que apelava aos ouvintes para que se juntassem às Brigadas – ou que as defendessem: “E tu, trabalhador que nos escutas, a todos aqueles que te vierem dizer que estas acções são actos terroristas, responde-lhes que terroristas são os que mandam a juventude portuguesa matar e morrer em África.”
Em Setembro de 1972, Manuel Alegre e Carlos Antunes encontraram-se num hotel em Biarritz (Sul de França), e o poeta usou um gravador que pesaria uns dois quilos para fazer uma entrevista ao “camarada André Sérgio”, pseudónimo com que foi identificado. Na introdução a uma pergunta, Alegre assume: “Tanto os militantes da Voz da Liberdade como os das Brigadas Revolucionárias estão empenhados num processo comum.” A conversa foi transcrita em 40 páginas de um dossiê de propaganda disponível no site das Brigadas (memoriando.net/br).
Em Lisboa e no Porto foram atingidas instalações em edifícios militares ou relacionados com as colónias. Carlos Antunes frisa que os operacionais tomavam precauções para garantir que as explosões não provocavam perda de vidas humanas e tinham como regra telefonar aos vizinhos dos alvos a avisá-los de que deviam sair de casa.
Leia o artigo completo esta semana na revista SÁBADO