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18 Dezembro 2011 | 23:30, Pedro Santos Guerreiro
O Governo reuniu-se para aprovar um novo ciclo de reformas estruturais, um novo discurso virado para o crescimento e o emprego, um nova agenda de mudança. Mais do que uma anunciação, este Conselho de Ministros foi uma confissão: o País está a ser esfalfado mas não está a ser mudado. O Governo está perto da desilusão.
A vida do primeiro-ministro deve ser um inferno. É compreensível que a obcecação com o cumprimento das metas da troika consuma todas as energias; que a indefinição na zona euro, a falta de expectativas de crescimento, as ameaças à estabilidade social e os receios de desvio orçamental já em Janeiro roam as unhas do cérebro. Mas isso apenas desculpa o falhanço: o que mudou verdadeiramente no País nos últimos cinco meses? O que, além de mais impostos e menos apoios sociais, iniciou um novo País - um país que não volte a falir depois de ser salvo?
Não é à toa que se diz que um Governo deve esvaziar a cartucheira das medidas impopulares logo no início. Esse início está a gastar-se. E neste início havia uma oportunidade única: a humilhação de termos o país intervencionado exige a sua mudança. A mudança da justiça. A mudança dos poderes locais. Mais concorrência, menos lóbis, um mercado de trabalho diferente. Basta ler os livros de Álvaro Santos Pereira e do próprio Pedro Passos Coelho, está lá quase tudo. Está feito quase nada.
Mesmo na Saúde, o mais independente dos Ministérios: como aceitar a vergonhosa nomeação em catadupa de "boys" sociais-democratas para cargos de chefia? Não há vergonha no PSD? Ou Passos Coelho não manda no seu partido? O país está quebrado mas anda tudo a tratar da vidinha.
O problema dos "boys", das mini-reformas estruturais, do reagrupamento dos lóbis que está a consumar-se, de um sistema político alapado na inércia que o protege é tudo isso ser uma provocação social. O Governo está a desperdiçar a paz social, confrontando-a. É uma asneira monumental fechar o ano com um défice orçamental abaixo de 4,5%, isso será sempre entendido pelos portugueses como uma afronta, pois nada os convencerá que não lhes tiraram meio Natal em vão.
Os portugueses estão a perder o emprego, os empregados estão a perder salário, os desempregados estão a perder subsídio, a única via apontada pelo próprio Governo para fugir à trituradora é fugir do país: emigrar. Desistir. Os sacrifícios não estão a ser repartidos por todos. E aquilo que nos trouxe até esta ruptura está a permanecer. Estamos a remediar esta crise mas não estamos a prevenir a próxima. O mesmo tipo de pessoas está a tomar o mesmo tipo de decisões, o que só pode levar ao mesmo tipo de resultados. Estaremos daqui a 15 anos na mesma?
As reformas estruturais nunca passaram de um chavão. É preciso uma coragem sem limites para fazer a mudança de regime e criar uma sociedade nova em Portugal, mais livre e independente, mais sujeita ao risco mas com mais oportunidades.
Talvez falte espessura intelectual no Governo. Talvez dois dos pilares da troika (finanças públicas e sistema financeiro) estejam a ensombrar o terceiro (as reformas). Mas se tudo isto, esta consumição, esta hiper-tributação, esta vergonha de sermos pedintes, esta pobreza crescente for apenas para manter o que sempre existiu, na política, na economia, na sociedade, então será como prenunciou Lampedusa, é preciso que algo mude para tudo fique na mesma.
Passos Coelho ainda precisa de provar que consegue fazer o que quis prometer. Tem a última chance agora. Porque se tudo isto for para ficar na mesma, então o primeiro-ministro tem razão: o melhor é emigrar.