(Dou início hoje, a um excelente e
completo estudo sobre a pilhagem da riqueza dos países pelos grandes bancos e
corporações internacionais, da autoria de Vasco Moura Esteves. Este estudo é
composto por várias partes, mas dado a sua extensão, tomei a liberdade de
dividir esta 1ª parte em três)
Os grandes
bancos e corporações internacionais mais as instituições Banco Mundial, FMI
e BCE, que estão ao seu serviço, têm uma estratégia de pilhagem da riqueza dos
países que é concretizada, principalmente, através da criação de dívidas
soberanas (dívidas dos estados) impagáveis.
A partir de certo momento os estados extremamente
endividados não conseguem mais obter nos mercados de financiamento o dinheiro
necessário para pagar os seus compromissos financeiros. Nos últimos anos, este
processo tem sido acelerado através da subida das taxas de financimento dos
países manipulada de forma concertada pelas agências de notação financeira
Moody's, Standard & Poor's e Fitch (que são controladas pelos grandes bancos
e corporações internacionais) e pelos investidores dos mercados financeiros (que
são dominados pelos grandes bancos e corporações internacionais). Os casos da
Grécia, Portugal, Irlanda, Espanha e Itália são paradigmáticos.
É nessa altura que os estados super endividados
são obrigados a pedir empréstimos ao FMI e aos seus associados (BCE - Banco
Central Europeu, FED - Federal Reserve System, etc.) pois estas são as únicas
entidades dispostas a emprestar mais dinheiro para os estados poderem pagar os
seus encargos financeiros apenas de curto/médio prazo.
Contudo, os empréstimos só são disponibilizados por
essas entidades quando os estados (o governo e os partidos políticos do arco de
governação) se comprometem a executar um programa financeiro-económico-social
(Memorando de Entendimento) definido e imposto por essas entidades, sob a
justificação de que tal programa é necessário para permitir o saneamento das
finanças públicas desses países.
Esta "ajuda" (há quem lhe chame "resgate") trata-se na
realidade de um ataque disfarçado à soberania desses países e de conquista,
controlo e pilhagem dos seus recursos (materiais, financeiros e laborais), como
se verá a seguir.
Os estados tutelados (com perda de soberania)
pelo FMI/Troika têm que cumprir, entre as várias medidas do programa de "assistência", a privatização ou
concessão aos "investidores do mercado" (os grandes bancos e corporações
internacionais) de todo o património público dos respectivos países que possa
ser lucrativo.
Por exemplo, no
caso português:
a) Os transportes aéreos (TAP - Transportes
Aéreos Portugueses e ANA - Aeroportos de
Portugal);
b) Os transportes ferroviários (CP - Comboios
de Portugal e em estudo a REFER - Rede Ferroviária
Nacional);
c) Os transportes rodoviários (Carris e
STCP) - apenas as carreiras rentáveis;
d) Os metropolitanos (Metro de Lisboa e talvez
do Porto);
e) A electricidade (EDP - Electricidade de
Portugal e REN - Redes Energéticas
Nacionais);
f) A água (Águas de
Portugal);
g) O gás e outros combustíveis
(GALP);
h) As comunicações e telecomunicações
(Portugal Telecom e CTT - Correios de
Portugal);
i) A comunicação social (RTP - Rádio e
Televisão de Portugal (Televisão Pública, Antena 1, 2 e 3) e LUSA
- Agência de Notícias de Portugal);
j) Campos petrolíferos e de gás natural (o
primeiro campo a ser explorado é Aljubarrota-3 [1]);
k) Minérios (em pouco mais de um ano de Governo
já foram assinados cerca de 78 contratos mineiros com o "capital estrangeiro"
[2])
O actual sistema de ‘royalties’ (direitos de
concessão) de exploração dos minérios é pouco vantajoso para o Estado, logo, é
muito vantajoso para as empresas concessionárias.
Os estados tutelados ao serem obrigados a
vender/concessionar todo o património público que possa ser lucrativo perdem
fontes de rendimento que poderiam ser utilizados no saneamento das finanças
públicas, tornando deste modo os estados mais pobres e, portanto, mais
dependentes de futuras "ajudas" do FMI/Troika!
Em paralelo com a aquisição de empresas públicas que
possam ser rentáveis, o programa de "assistência/ajuda" do FMI/Troika impõe
directa ou indirectamente as seguintes situações para aumentar os lucros dos
investidores internacionais (os grandes bancos e corporações
internacionais):
a) As privatizações são feitas a preços inferiores
ao valor real das empresas devido ao facto destas vendas serem forçadas.
Além disso, para ajudar a baixar ainda mais o preço de venda das empresas, as
agências de notação financeira Moody's, Standard & Poor's e Fitch
(controladas pelos grandes bancos e corporações internacionais) têm piorado
sucessivamente a notação destas empresas. Este negócio de privatização a preços
de saldo é obviamente prejudicial para o interesse público;
b) As privatizações têm como alvo, principalmente,
as empresas públicas que constituem um monopólio na sua área de intervenção,
garantindo assim aos futuros donos privados um mercado sem
concorrência;
c) O aumento exigido do preço ao consumidor dos
serviços a privatizar (electricidade, gás, água, transportes, etc.) serve
para garantir que as empresas a privatizar possam vir a dar
lucro;
d) A diminuição generalizada dos
salários provocada por:
- cortes nos salários,
- medidas administrativas de contenção das
actualizações salariais face à inflação,
- diminuição das indemnizações por
despedimento,
- corte do subsídio de Natal, numa 1ª fase de
50% a todos os trabalhadores em 2011, como balão de ensaio para o corte
permanente,
- corte dos subsídios de férias e de Natal,
numa 1ª fase a todos os trabalhadores da função pública em 2012, 2013, ...?,
como exemplo a seguir pelo sector privado - A Comissão Europeia sugeriu a
eliminação definitiva destes direitos [3],
- tentativa (falhada,
por enquanto) de aumento do horário laboral em meia-hora sem aumento
proporcional do salário,
- eliminação de
feriados,
- eliminação de
dias/períodos de tolerância de ponto,
- aumento brutal do
desemprego (ver nota 2),
- diminuição para
metade no valor de retribuição das horas extraordinárias,
- o "incentivo"
maquiavélico para a empregabilidade dos desempregados (ver nota 3),
- sub-contratação de
profissionais da saúde (médicos, enfermeiros e nutricionistas) ao menor
preço,
- tentativa gorada
de transferência de parte da TSU paga pelas empresas para os ombros dos
trabalhadores (que passariam a pagar 18%), que seria equivalente à diminuição de
um salário em cada ano,
- tentativa gorada de
corte em 10% no subsídio de desemprego mínimo e no subsídio social de
desemprego.
Estas medidas garantem maiores lucros futuros às empresas
como resultado da diminuição dos custos de produção associados aos
salários;
e) A redução progressiva
do acesso dos cidadãos ao Serviço Nacional de Saúde serve para criar
oportunidades de negócio para as empresas privadas do ramo (prestação de
cuidados de saúde) e seguradoras;
f) A redução progressiva
dos benefícios da Segurança Social aos cidadãos serve para criar
oportunidades de negócio para as empresas privadas do ramo (seguradoras e fundos
de investimento internacionais), pois ao obrigar os cidadãos a procurarem apoios
sociais futuros (para a reforma, doença, desemprego, gravidez, pós-parto, abono
de família, funeral, pensões de invalidez, de velhice, etc.) nas empresas
privadas, estas ficarão com as poupanças dos cidadãos à sua disposição para a
especulação financeira sem responsabilidade. Veja-se o que aconteceu nos EUA:
desde 2008 até à data as pensões desvalorizaram-se em cerca de 50%, sem que os
cidadãos possam reclamar os 50% perdidos, porque as leis estão feitas para
proteger os especuladores;
g) A implementação de
políticas económicas fortemente recessivas (ou seja, que asfixiam a economia
do país), através de cortes no investimento do Estado na economia, da sobrecarga
fiscal obscena dos cidadãos e das empresas (23% na restauração) e da contracção
do consumo interno, são destinadas a provocar a destruição do tecido produtivo
do país. O objectivo destas políticas é o de criar uma legião de desempregados
e de empresários falidos num deserto empresarial, criando assim condições para a
instalação posterior dos grandes bancos e corporações internacionais no país,
sem qualquer concorrência e com salários miseráveis;
i) A execução de
cortes brutais na Educação para destruir todo o sector público da
Educação, com vista a criar oportunidades de negócio para as escolas e
universidades privadas e para os bancos que irão emprestar dinheiro aos
estudantes que queiram frequentar o ensino superior. Veja-se o que aconteceu nos
EUA: Os finalistas do ensino superior estão endividados para o resto da
vida;
j) A redução
significativa das Forças Armadas Portuguesas com o objectivo de desarmar o
país, de modo que Portugal não se possa defender no caso de tentar recuperar a
sua independência financeira e em consequência disso sofrer uma invasão
militar;
k) O controlo total da
comunicação social dos países nas mãos dos privados (grandes corporações
internacionais) facilitará futuras pilhagens sem que os cidadãos se apercebam da
situação. Para isso é necessário acabar com o serviço público de televisão,
rádio e notícias (no caso português RTP e LUSA). Têm sido óbvias as manobras do
governo nesse sentido (tentativa de concessionar a uma empresa privada o serviço
público de televisão e rádio e o estrangulamento financeiro da LUSA
retirando-lhe 20% do seu orçamento);
l) O controlo total das
comunicações dos países (em especial a Internet) nas mãos dos privados
(grandes corporações internacionais) juntamente com controlo total da
comunicação social permitirá às grandes corporações internacionais o controlo
total da informação a que os cidadãos terão acesso. A título de exemplo, veja-se
o caso de França, onde Sarkosy conseguiu a aprovação de uma lei que permite às
empresas fornecedoras de acesso à Internet a capacidade de cortar o acesso à
Internet a qualquer cidadão ou entidade colectiva com base em denúncias de
"downloads ilegais", sem ser necessária uma ordem judicial para o efeito (ver
nota 4). Outros exemplos mais recentes são o SOPA [4], o PIPA [4], o ACTA [5], o
CISPA [6] e o TPP [7].
m) A colocação de homens
de confiança e ao serviço dos grandes bancos e corporações internacionais nas
estruturas governativas dos países ajudados (ou melhor, saqueados) para
garantir a implementação das medidas previstas no Memorando de Entendimento
(forçado) e até, se possível, ir mais além do Memorando. É o que tem estado a
acontecer com o governo português que tem ido e tentado ir para além do que
exige a Troika. Vejamos dois exemplos de homens ao serviço dos grandes bancos e
corporações internacionais nas estruturas governativas de Portugal:
- Carlos Moedas (homem do
Banco Goldman Sachs) é Secretário de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro
para o poder orientar e controlar.
- António Borges (ex
Vice-Presidente do Conselho de Administração do Banco Goldman Sachs
International, em Londres e ex-Director do Departamento Europeu do FMI,
na altura em que foi imposto a Portugal aceitar o acordo com a Troika). Após a
privatização da EDP e a sua entrega aos chineses, António Borges foi transferido
do FMI para Portugal para coordenar (controlar) as privatizações. Nesta posição,
António Borges poderá garantir que as futuras empresas públicas a privatizar só
irão parar às mãos dos grandes bancos e corporações internacionais, via qualquer
empresa ocidental que seja controlada por eles. A segunda missão de António
Borges consiste em orientar ideologicamente o Primeiro-Ministro Passos Coelho,
de perto, e lançar para a opinião pública ideias ultra-liberais quer
directamente (entrevistas onde defendeu a baixa generalizada dos salários e a
concessão do serviço público de televisão a privados sem risco no negócio) quer
indirectamente via Passos Coelho e alguns ministros (transferência de parte da
TSU paga pelas empresas para os ombros dos trabalhadores, redução do subsídio
mínimo de desemprego e do subsídio social de desemprego, etc.) para aferir o
grau de resistência da sociedade portuguesa a medidas radicais de saque. Caso as
medidas sofram grande contestação o governo propõe a seguir, como alternativa,
medidas menos gravosas contando com a sua aceitação fruto da reacção esperada
"do mal o menos".
Nota 1 - É muito importante ter a noção de que,
desde há vários anos, as empresas privadas "portuguesas", que operam nas áreas
das privatizações, têm vindo a ser compradas pelo chamado investimento
estrangeiro (grandes bancos e corporações internacionais), graças à globalização
e, em particular, à livre circulação de capitais imposta a todos os países.
Portanto, quando se fala de privatizar um serviço público (por ex. a RTP) ou uma
empresa pública (Águas de Portugal) e entregá-los a empresas "portuguesas", a
maior parte das vezes trata-se de empresas que no passado foram de capital 100%
português, mas que agora são de capital maioritariamente
estrangeiro.
Nota 2 - Quando o desemprego aumenta muito, os
desempregados em desespero aceitam trabalhar por qualquer salário. Assim,
através de uma política de despedimento dos empregados mais onerosos para a
empresas e da subsequente contratação de desempregados desesperados, torna-se
muito fácil baixar significativamente os salários de todas as
profissões.
Nota 3 - O "incentivo" maquiavélico para a
empregabilidade dos desempregados, que está em vigor, consiste na possibilidade
legal de um desempregado poder decidir aceitar um emprego onde receberá um
salário inferior ao valor do subsídio de desemprego que tem estado a receber,
podendo acumular o subsídio de desemprego com o salário do novo emprego durante
3 meses e de acumular 50% do subsídio de desemprego com o salário do novo
emprego durante os 3 meses seguintes. Após 6 meses no novo emprego receberá
apenas o salário (inferior ao subsídio de desemprego a que tinha direito e muito
inferior ao salário anterior que lhe deu direito ao referido subsídio de
desemprego). Se nos dias/meses seguintes o sujeito ficar desempregado novamente
já só terá direito a um subsídio de desemprego bastante menor que o anterior por
ser calculado com base no último salário o qual será necessariamente
bastante inferior ao salário anterior, tendo em conta a forma de cálculo do
subsídio de desemprego. Com a "cenoura" grande nos 3 primeiros meses e com a
"cenoura" pequena nos 3 meses seguintes, o governo pensa conseguir baixar muitos
salários, contando com a "burrice" do desempregado e a "esperteza" de muitos
empresários que trocarão (despedirão) trabalhadores com salários mais altos por
trabalhadores "burros" mais baratos.
Nota 4 -
A lei de Sarkosy é justificada oficialmente pela necessidade de defender os
direitos de autor e impedir as cópias piratas via Internet. Porém, em termos
práticos, quando o utilizador da Internet transfere um ficheiro digital
(contendo uma música, uma fotografia, um livro, uma apresentação de PowerPoint ,
um vídeo do YouTube, etc. ) por qualquer via (downloads, messenger, e-mail,
aplicações específicas, etc.), a maior parte das vezes, não sabe nem pode saber
se o conteúdo está protegido por direitos de autor, ou se o pagamento do
download cobre os direitos de autor. Quem disponibiliza na Internet ficheiros
digitais para venda ou para partilha é que sabe se os seus conteúdos estão
sujeitos ou não a direitos de autor. Portanto, não é o consumidor final dos
ficheiros digitais quem é responsável pela pirataria. Assim, torna-se claro, que
o objectivo final e encoberto da lei de Sarkosy é o de permitir o corte
discricionário do acesso à Internet aos cidadãos ou às entidades colectivas
"perigosos(as)" para o sistema.