Arigo de opinião por Ricardo Castelo-Branco
Quem, movido pelo desemprego e pela necessidade de sobreviver, procura um trabalho onde possa, de forma digna, ganhar a sua vida corre sérios riscos de, mais tarde ou mais cedo, se encontrar com aqueles que se servem da necessidade alheia para parasitariamente a explorarem. A este respeito muitas foram, nos últimos tempos, as denúncias feitas nas redes sociais e na blogosfera. De igual modo, podemos assistir a uma tentativa de censura, sancionada por um tribunal mais preocupado em defender os interesses comerciais de uma empresa privada do que defender a legislação laboral e os princípios constitucionais da liberdade de expressão e da dignidade do trabalho, ao blogue dos Precários Inflexíveis, por denunciarem uma empresa cujas ofertas em pouco diferiam do trabalho escravo (uma das poucas diferenças reside no facto da alimentação ser devida aos escravos).
Atento a este fenómeno decidiu o Tugaleaks pesquisar ofertas de trabalho para poder informar sobre a realidade deste país que alguém, certamente de pouco siso e nula competência, já definiu como uma nação de «piegas» incapazes de aproveitar as oportunidades.
Começamos por nos inscrever nos sites de emprego e demos preferência, na pesquisa de trabalho, à área dos call-center. Num país onde as políticas laborais de precarização e baixos salários se tornaram norma, este sector assume-se cada vez mais, como dominante nas ofertas de trabalho.
Muitos seriam os casos que poderíamos aqui focar e que nos pareceram lesivos da dignidade devida ao trabalhador e ao trabalho. Houve contudo um que se evidenciou por mais uma vez configurar uma prática quase semelhante à escravatura.
O anúncio dizia o seguinte: «Empresa no ramo da construção civil e compra e venda dispõe de 1 vaga para operador de Call Center(m/f) a full time». O facto de não ser uma empresa de trabalho temporário mas sim uma empresa de construção civil a publicar o anúncio levava-nos a antever a possibilidade de afinal ainda haver oportunidades credíveis. No descritivo aparecia o seguinte:
Enviei um mail de candidatura às 18h 26m do dia 20-08-2012 e ficamos agradavelmente surpreendidos com a celeridade da resposta uma vez que 36 minutos mais tarde, às 19h02m, fiquei a saber que preenchia as características pretendidas e tínha sido selecionado para uma entrevista presencial. Davam-me ainda conhecimento que iriam proceder a entrevistas no dia seguinte entre as 15 e as 17 horas e nos inquiriam sobre o melhor horário para realizar a entrevista. Respondemi, às 19h06m, indicando a minha preferência pelas 15h, e recebebi um mail de confirmação de agendamento de entrevista para o horário por mim indicado dois minutos mais tarde (19h08).
Às 15h do dia 21-08-2012 tocava à porta da empresa, situada junto à Gare do Oriente, onde pediram aos presentes que aguardassem pois a Drª Andreia Garcia não tinha ainda voltado do almoço. E começou uma espera em que tivemos de ser propinados com um best off da música pimba nacional. Mas como não estava ali na condição de críticos musicais lá suportei a situação com o máximo estoicismo até que a entrevistadora se dignou aparecer passados 45 minutos. Finalmente entramos, não para uma entrevista individual como faria supor o agendamento, mas sim para uma entrevista colectiva.
Chamar-lhe entrevista é talvez um pouco abusivo pois, após uma breve apresentação da pessoa que nos servia de interlocutora e do seu sócio na empresa, identificado como o srº Eng. Dinis que se retirou de seguida, a via seguida foi a do monólogo. Fomos então informados de que não existia nenhuma vaga livre para full-time mas apenas para part.time e perguntado se ainda estávamos disponíveis. Como um dos presentes respondeu pretendendo saber mais sobre o part-time informaram-nos que o horário era de 2ª a 6ª, entre as 17h e as 21h e ainda ao sábado das 10h às 13h. Tratava-se então de um part-time de 23horas semanais.
Procedeu então a Drª Andreia Garcia a uma breve explicação da empresa, sua história, área de intervenção e avatares. Ficamos então a saber que se tratava de uma jovem empresa, chamada DREAMPARTNER, mas devido às “dificuldades de compreensão da língua inglesa” da população tinham adoptado a denominação de “PROBLEMA RESOLVIDO”. Após este declaração de profunda confiança nas competências linguísticas da população portuguesa, fomos informados que a empresa não possuía ainda site, por se tratar de um projecto com cerca de 20 dias, mas que já tinha uma página no Facebook.
Na realidade não se trata de uma página mas de três (esta, esta e esta), das quais duas são páginas pessoais com nome de empresa. Ficamos então a saber, a julgar pelos links que a PROBLEMA RESOLVIDO ´se chama igualmente Dinis Rodrigues e que sob o nome da Drem Partner se esconde uma empresa de construção civil com o nome Existenorma – Construção Civil, Unipessoal Lda
Sobre o modo de contratação nem uma palavra e o subsídio de refeição nem é mencionado, o que leva a supor que a única retribuição seria, como várias vezes teve o cuidado de salientar a nossa “entrevistadora”, os falados 150 Euros na entrevista. A justificação era sempre a mesma: “Este é um projecto com pouco mais de 20 dias e por isso não podemos pagar mais!”. Ora, consultando um directório de empresas verificamos que existem, não há menos de um mês, mas desde 07-04-2009.
Duas considerações para terminar:
- uma tal remuneração, num regime de recibos verdes, serve apenas para pagar as contribuições da Segurança Social. Para os impostos já não chega. Trata-se então de uma situação em que se paga para trabalhar!
- Onde param as entidades reguladoras: Tribunal do Trabalho, Inspecção Geral do Trabalho e Autoridade para as Condições de Trabalho?
Arigo de opinião por Ricardo Castelo-Branco