Infarmed acha que médicos devem declarar lápis dados por laboratórios

Apenas uma minoria dos médicos tem declarado aquilo que recebe da indústria farmacêutica NELSON GARRIDO
Esclarecimentos da Autoridade Nacional do Medicamento sobre artigos oferecidos desapareceram do site do organismo para "reformulação".
Os profissionais de saúde são obrigados a declarar publicamente todas as canetas, lápis e artigos semelhantes recebidos dos delegados de informação médica, tal como devem divulgar os almoços que lhes são oferecidos pela indústria farmacêutica, esclareceu a Autoridade Nacional do Medicamento (Infarmed) numa lista de perguntas e respostas que esteve disponível para consulta na sua página electrónica até terça-feira. Ontem, porém, os esclarecimentos desapareceram misteriosamente do site do Infarmed. Contactado o organismo, a resposta foi lacónica: as perguntas e respostas foram "momentaneamente retiradas para reformulação e actualização".

Mas a primeira versão do documento é muito clara: os médicos, enfermeiros, farmacêuticos devem declarar ao Infarmed bens como canetas, lápis, cadernos. "São bens avaliáveis em dinheiro, pelo que os mesmos deverão ser declarados", justifica o organismo. Também a inscrição num congresso e as refeições pagas pelas empresas farmacêuticas são obrigatoriamente comunicadas, porque a inscrição "constitui um patrocínio" e a refeição "um bem avaliável em dinheiro".

"É uma vergonha. Isto significa que temos que declarar esferográficas e cafés... Acho muito bem que haja transparência, mas as declarações de conflito de interesses deviam ser feitas quando está em causa o patrocínio de acções de formação e o pagamento de palestras", reage o presidente da Secção Regional do Norte da Ordem dos Médicos (OM), Miguel Guimarães.

Os esclarecimentos entretanto desaparecidos foram disponibilizados pelo Infarmed na sequência da publicação do artigo 159 do Decreto-Lei n.º 20/2013 de 14 de Fevereiro (sobre transparência e publicidade) que dá aos profissionais de saúde, aos laboratórios farmacêuticos e às associações de doentes o prazo de 30 dias para declarar o recebimento e a oferta de subsídios, patrocínios, subvenções e bens avaliáveis em dinheiro.

A Ordem dos Médicos anunciou na semana passada que vai pedir ao provedor de Justiça que suscite a inconstitucionalidade desta legislação, alegando que poderá estar em causa o princípio da igualdade (porque o mesmo tipo de exigência não é feito a profissionais de outras áreas). Num parecer do respectivo departamento jurídico, a OM aconselhou, mesmo assim, por cautela, que todos os apoios acima de 102 euros sejam declarados, enquanto a situação não se esclarece.

Entretanto, aumenta a um ritmo lento o número de comunicações registadas na plataforma electrónica criada pelo Infarmed para divulgar os apoios recebidos e concedidos. Até ontem, só dois laboratórios, divulgavam contribuições. A Pfizer declarava, por exemplo, ter dado um patrocínio de 37 mil euros ao Fórum Hematológico do Norte, de 14 mil euros à Sociedade Portuguesa de Cardiologia e de 2500 euros à Associação Nacional dos Doentes com Artrite Reumatóide. Na lista de "aceitações declaradas" são cada vez mais os médicos e farmacêuticos que divulgam patrocínios e bens que recebem da indústria farmacêutica e alguns referem bens de valores irrisórios, como 10 e 50 cêntimos. Mas ainda são uma ínfima minoria, se pensarmos no total de profissionais de saúde que existem no país.

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