segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

ATENTADO AO ESTADO DE DIREITO

De: HEROISdoMAR

Data: 08-02-2010 14:15:19

Para: Undisclosed-Recipient:,

Assunto: O PGR ultrapassou todos os limites'

O PGR ultrapassou todos os limites

ATENTADO AO ESTADO DE DIREITO


A revelação pública dos despachos dos magistrados de Aveiro que entenderam haver "indícios fortes" da existência de um plano do Governo para controlar a Comunicação Social que podia configurar um crime de atentado contra o Estado de Direito caiu como uma bomba no Ministério Público. Se dúvidas já havia quanto à decisão do procurador-geral da República (PGR), que recusou abrir um inquérito, a divulgação da fundamentação de Marques Vidal e de Costa Gomes não deixou margem para dúvidas.

'Perante despachos daquele teor, qualquer magistrado abria um inquérito', disse um procurador ao CM, adiantando ainda que 'se fosse um procurador-adjunto a fazer uma coisa destas estava arrasado e levava com um processo disciplinar'. O mesmo magistrado, que dada a sensibilidade do assunto solicitou o anonimato, garantiu que a revelação dos despachos do processo ‘Face Oculta’ foi ontem o assunto do dia nos tribunais, deixando os magistrados do Ministério Público estupefactos com a decisão de Pinto Monteiro, que conclui não existirem 'indícios probatórios' que levassem à instauração de um inquérito.

'Eu, como magistrado, sinto-me envergonhado. O PGR ultrapassou todos os limites', disse outro magistrado, acrescentando: 'Se isto não tem consequências...'

Ontem, porém, o procurador-geral revelou, em comunicado, que 'não altera absolutamente nada do que decidiu, por não existir qualquer fundamento jurídico para tal'. Ou seja, apesar do 'esquema' descrito pelos dois magistrados de Aveiro, que não tiveram dúvidas em pedir uma investigação urgente à tentativa do Governo de 'controlo dos meios de Comunicação Social visando limitar as liberdades de expressão e informação', Pinto Monteiro reitera não ter encontrado quaisquer indícios que justificassem a instauração de um inquérito visando o primeiro-ministro José Sócrates. Já quanto à questão colocada pelo CM sobre se tem condições para se manter no cargo, Pinto Monteiro não respondeu – o PGR é nomeado pelo Presidente da República, sob proposta do Governo, e por isso só o Chefe de Estado o pode afastar de funções. O CM contactou também o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, João Palma, que 'por ora' recusou fazer comentários.

NORONHA FOGE A COMENTÁRIOS MAS PROMETE ESCLARECER

'O senhor Presidente encontra-se em funções fora de Lisboa, pelo que é difícil poder responder às questões do Correio da Manhã durante o dia de hoje [ontem].' Foi esta a resposta que o CM obteve do gabinete de Noronha Nascimento, depois de pedidos vários esclarecimentos sobre a sua decisão de mandar destruir as escutas que envolviam o primeiro-ministro, mesmo após a existência de despachos de dois magistrados diferentes que sustentavam estar em causa um crime grave. 'De momento não irá fazer nenhuma declaração nem comunicado sobre esta questão', adiantou ainda a mesma fonte, revelando que na próxima semana Noronha Nascimento 'esclarecerá publicamente estas questões' – entre as quais se entende ter condições para se manter no cargo. No entanto, o gabinete de Noronha Nascimento acrescentou desde já que o presidente do Supremo que não contribuirá para 'alimentar notícias'.

'BASTA HAVER INDÍCIOS': Paulo Saragoça da matta, Professor de Direito

Correio da Manhã – Os indícios sustentados nos despachos dos magistrados eram suficientes para abrir uma investigação?

Saragoça da Matta – Para que haja condenação tem de haver prova cabal, para haver investigação basta que haja indícios. A factualidade que veio a público parece-me preencher o conceito de indício. Não me parece que haja uma situação de irrelevância manifesta.

– Em que consiste o crime de atentado contra o Estado de Direito?

– São actos que põem em causa os fundamentos da organização do poder político, que põem em causa a independência de um poder. n a.l.n.

SEGREDO INTERNO JÁ TERMINOU NO PROCESSO

O segredo interno do processo ‘Face Oculta ’ já terminou. A decisão do juiz foi tomada na sequência dos requerimentos dos assistentes – entre eles o subdirector do semanário ‘Sol’. António Costa Gomes dizia que, tendo a investigação começado há mais de um ano, a lei não permitia a manutenção do segredo. Os advogados e os assistentes têm acesso a todos os autos, com excepção das certidões que deram origem a inquéritos que estão em segredo de justiça. Não é o caso, porém, das escutas envolvendo José Sócrates. Não tendo aberto qualquer investigação, Pinto Monteiro abriu a porta à divulgação dos despachos.

AS DUAS FACES DA JUSTIÇA, POR EDUARDO DÂMASO

PINTO MONTEIRO

Deu um golpe severo no cargo.Arquivou sem argumentos conhecidos algo em que dois magistrados vêem mais do que indícios. Está a deixar o Ministério Púbico de rastos

NORONHA NASCIMENTO

Não tinha à disposição o filme todo. Só avaliou as escutas de Vara com Sócrates e não as que revelam os passos dados para controlar a TVI. Sai muito mal

ANTÓNIO COSTA GOMES

O juiz de instrução demonstra uma qualidade e espírito de serviço público invejáveis. Os seusdespachos mostram a iniquidade de decisões superiores

JOÃO MARQUES VIDAL

O papel em todo o processo é inatacável. Também as decisões mostram uma valoração dos indícios absolutamente segura. Dignifica a magistratura

TEÓFILO SANTIAGO

Mostrou, com a sua equipa da PJ de Aveiro, o que é uma verdadeira investigação criminal. Até alguns advogados do caso o admitem. Um valor absoluto

ESCUTAS NÃO PODEM SER DESTRUÍDAS

A determinação de Noronha Nascimento de destruição das escutas telefónicas envolvendoJosé Sócrates e Armando Vara não pode ser cumprida no imediato por constrangimentos legais. Mesmo assim, o juiz impediu o acesso aos 'produtos' – leia-se escutas – por parte dos intervenientes, embora aqueles tenham de manter a existência física até ao trânsito em julgado da decisão. O único que poderá aceder aos suportes magnéticos é Armando Vara, já que os mesmos podem ser usados para a sua defesa. A obrigação das escutas se manterem até ao final do processo foi criada pelo próprio Partido Socialista na última revisão ao Código.

OS PROTAGONISTAS NO PROCESSO

ARMANDO VARA

Actual consultor do BCP ficou com o lugar de administrador supenso na sequência do caso ‘Face Oculta’

PERFIL

Nascido há quase 56 anos em Vinhais, distrito de Bragança, Armando Vara frequentou vários cursos e licenciou-se na Universidade Independente já depois de passar pelo Governo. Antes de ter sido deputado à AR foi bancário da Caixa Geral de Depósitos mas quando regressou à instituição, depois de o então Presidente da República, Jorge Sampaio, ter obrigado Guterres a demiti-lo de ministro na sequência do escândalo da fundação da prevenção rodoviária, teve uma promoção fulgurante e chegou à administração. Após a guerra no Millennium bcp, acompanha Santos Ferreira como vice-presidente, ficando com um poder imenso. O caso ‘Face Oculta’ obriga-o a suspender o cargo.

PAULO PENEDOS

Filho do ex-presidente da REN, advogado, é arguido no processo ‘Face Oculta’. Pagou caução de 25 mil euros.

PERFIL

Filho e sobrinho de destacados militantes do PS, Paulo Penedos ficou conhecido como protagonista de candidaturas quase folclóricas. Enfrentou o histórico Jaime Soares para a Câmara de Poiares, e sofreu uma pesada derrota, mas a sua campanha teve impacto por causa de um deslumbrante Ferrari vermelho. E há oito anos o jovem Paulo apareceu como o rival de Ferro Rodrigues na corrida à liderança do partido.

RUI P. SOARES

Administrador da PT e membro da Comissão Executiva da operadora nomeado pelo BES e CGD.

PERFIL

Rui Pedro Barroso Oliveira Soares nasceu a 13 de Outubro de 1974. Licenciou-se em Gestão e Marketing no Instituto Português de Administração de Marketing. Militante da Juventude Socialista, a sua vida muda radicalmente quando coordena o ‘site’ da candidatura de Sócrates a secretário-geral do PS. O seu nome é proposto para a PT em 2005. Actualmente gere os milhões da publicidade da PT.

ATENTADO AO ESTADO DE DIREITO

Este é um dos crimes essencialmente políticos, ou seja, típico dos titulares de cargos públicos e políticos. Previsto no artigo 9.º da Lei dos Crimes da Responsabilidade dos Titulares dos Cargos Públicos, de 1987, este delito salvaguarda valores constitucionalmente protegidos como a liberdade de expressão, liberdade de informar e ser informado e o pluralismo político. Ou seja, é um diploma que reforça os mecanismos do Estado de Direito Democrático contra a violação de direitos, liberdades e garantias com o propósito de subverter o Estado de Direito. Este crime é, afinal, equivalente ao que existe noutros países, como os EUA, e se define pela conspiração contra as instituições e princípios basilares do Estado. A pena prevista é de 2 a 8 anos na consumação do crime e de 1 a 4 na forma tentada.

NOTA EDITORIAL

RIQUEZA E JUSTIÇA

Se Portugal, nos seus principais agentes políticos e da Justiça, aceita com normalidade, ou traveste de meras conversas privadas, um plano gizado para sufocar a Imprensa incómoda e alterar o equilíbrio de poderes constitucionais, já pouco falta para matarmos a democracia.

Um Estado pode ser pobre, não dar o melhor horizonte aos seus filhos, pode até ser esbanjador na pressão dos interesses corporativos e incapaz de modernizar o ensino e o tecido produtivo. Um Estado pode ser tudo isto mas para mudar e fortalecer-se tem que manter a honra.

À luz da legitimidade das assembeias constituintes. E, em respeito aos que se bateram por um regime de democracia representativa, Portugal não pode aceitar no topo do Executivo quem sobre si tenha sérios indícios de privilegiar interesses próprios e planos privados, em detrimento do interesse público.

No traço do interesse público estão sagrados princípios constitucionais. Entre estes o direito de acesso a uma informação plural, que possa fomentar o conhecimento e consciência necessários ao voto dos cidadãos. Voto onde se funda o poder soberano do povo.

Perante o revelado sobre a complexa trama atribuída ao actual primeiro-ministro e seus homens de confiança, visando anular ou tolher outros poderes legítimos – desde logo o do Presidente da República –, a pergunta é: como puderam o líder do Supremo Tribunal e o PGR travar o pedido de inquérito aos indícios da prática do crime de atentado ao Estado de Direito?

Este País ainda é pobre. E jamais será rico se os cidadãos não se sentirem iguais aos olhos da Lei e do Estado. Este País é pobre, sim. E uma Justiça subserviente, de mão estendida às benesses do poder executivo, em muito contribui para isso. Este País é pobre – mas é na sua crise de valores que cada vez mais se funda uma estrutural tibieza económica.

Alguém com o perfil que José Sócrates revela pode ainda fazer parte de uma solução credível para Portugal? Este parece ser, cada vez mais, o cerne do problema.

NOTAS

FERREIRA LEITE: PSD

Manuela Ferreira Leite recusou ontem comentar o caso, sublinhando que durante meses falou sobre o assunto. O PSD pediu à Comissão de Ética que analise a liberdade de expressão no País

SILÊNCIO GERAL: PARTIDOS

O CDS-PP, o PS, o PCP e o Bloco de Esquerda recusaram-se oficialmente a comentar os de-senvolvimentos do processo ‘Face Oculta’, que visam o primeiro-ministro

AVERIGUAÇÕES: SINDICATO

O Sindicato dos Jornalistas exigiu uma averiguação 'urgente e até às últimas consequências' sobre o alegado plano do Governo para controlar a Comunicação Social

MOURA GUEDES: DEMISSÃO

'Se o primeiro-ministro não tivera dignidade de se demitir, espero queo Presidente da República o chame para o demitir'

MÁRIO CRESPO: ÉTICA

'O Governo não tem condições éticas para governar. É difícil, tendo emredor uma pessoa com aquele caráctere personalidade [José Sócrates]'

PACHECO PEREIRA: AMEAÇAS

'Há um padrão de comportamento do Governo em relação à Comunicação Social que envolve ameaças e chantagens. Merece-me grande preocupação'

MARINHO: DESTRUIR

'Isto foi uma forma de torpedeara decisão do Supremo de mandar destruir as escutas. Os magistrados contornam as disposições da lei'

J. M. FERNANDES: DÚVIDAS

'É importante termos conhecimento das escutas que estão na base desta acusação. Caso contrário ficam dúvidas no ar'.

Ana Luisa Nascimento

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