Abril do outro lado
Desse Abril de que me falam,
eu pouco vos sei dizer
Só frases feitas que calam,
as frases do meu viver
Frases de sol e de vento,
que a liberdade era minha
Antes do acontecimento,
já a liberdade eu tinha
Não vi, nesse dia, os cravos,
só mangas, no meu quintal
E se ouvi falar de escravos,
esses vinham de Portugal
Fugiam da sua terra,
da miséria mais que fartos
Sem medo da guerra,
sem medo dos matos
Que a vida floria,
lá longe, onde o sol castiga mais
Aonde havia, a negra magia,
mas onde eram já todos iguais!
Se era só aparência,
duma paz podre enfeitada
A minha doce inocência
era a vida que aceitava
Não via além da cidade,
não via sequer pobreza
Para mim a liberdade,
era a fonte da certeza.
Era ter o meu emprego,
uma casa pra morar
e sentir o aconchego,
da família no meu lar
Mas de repente a verdade,
teve outras regras de jogo
a guerra desceu à cidade,
diziam: para bem do povo.
Depois desse "nosso" Abril,
foi aí que a liberdade
Se tornou acto febril,
a manchar a irmandade
Cavaram um fosso fundo,
entre os diferentes credos
dividiram o meu mundo,
aumentaram-se os medos
Acabaram uma guerra,
parece que isso foi certo
mas, na que era, a minha terra,
a guerra ficou mais perto
Sem saber donde apareceram,
enquanto as crianças dormiam
à minha porta bateram,
- procuravam armas, diziam -
soldados de Portugal,
a mando dum grande Senhor
desde o meu quarto ao quintal,
implantaram o terror
Acabou-se a nossa paz,
o lar já não era seguro
deixávamos tudo pra trás,
buscando paz no futuro
Deu-se então a debandada,
muita família normal
sentiu-se assim condenada,
a voltar a Portugal
Irmãos que lá deixámos,
outros irmãos à espera
e logo que aqui chegamos,
não foi doce a nossa pêra
Começar de novo,
lutar entre as malhas
deste nobre povo,
colhendo migalhas
Mas nos reerguemos,
das cinzas, da lama
e hoje já temos,
um tecto, uma cama
Entendam-me, por favor,
se a nossa vida mudou
e a vossa melhorou,
com um Portugal menor
a culpa será dos tempos,
mudanças, são naturais
não inventem mais tormentos,
que mesmo nascendo iguais
somos meros animais!
Com a diferença na alma,
se é que a alma existe
mas aceitem com mais calma
quem, em Abril, ficou triste!
Maria Melo
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