terça-feira, 10 de agosto de 2010

De: ALÔ PORTUGAL
Data: 08/10/10 13:43:30
Para: Undisclosed-Recipient:,
Assunto: Política a Sério


Política a Sério

A conclusão do caso Freeport, conhecida na semana passada, foi a terceira tentativa para dar cabo do processo. E parece que resultou.

A primeira investida data de 2004. Procurou-se então matar o caso ‘no ovo’ – fazendo passar a ideia de que se tratava apenas de uma manobra política (orquestrada por Santana Lopes) para atingir José Sócrates. Confesso que aceitei esta versão.Sócrates, como ministro do Ambiente, projectava a imagem de governante determinado, que cortava a direito, não cedia a pressões nem fazia favores – sendo natural que o tentassem denegrir.



Assim, quando em 2008 a jornalista Felícia Cabrita me voltou a falar do tema, torci o nariz.


Mas agora havia mais matéria: havia uma carta da Polícia inglesa, havia uma reunião do Eurojust em Haia onde o processo tinha sido tratado.

Mesmo assim exigi documentos, provas.

E elas começaram a pingar.

Publicámos a primeira notícia, que o PGR se apressou a desmentir – mas o processo lá começou a fazer o seu caminho, provocando inúmeros incómodos.



Quando o Freeport já assumira grande importância e era um caso nacional, soube-se que Lopes da Mota, o representante de Portugal no Eurojust, tinha feito pressões junto dos magistrados portugueses, invocando os nomes do ministro da Justiça e do primeiro-ministro, para o processo ser arquivado.


Era a segunda tentativa para abafar o caso.

E aqui eu percebi que havia qualquer coisa escondida.

Se o tema era inócuo, como se justificavam tantos cuidados?

Se tudo tinha sido legal, porque havia tanto medo?



Mas o freeport lá continuou a avançar – e na semana passada a Procuradoria anunciou a conclusão do processo, acusando dois indivíduos e ilibando José Sócrates.


O primeiro-ministro veio a público cantar vitória – e os seus apoiantes embandeiraram em arco: provava-se que Sócrates estava totalmente inocente!

Só que, no dia seguinte, o Público revelava que o caso tinha sido encerrado às três pancadas – e que todas as dúvidas que envolviam Sócrates se mantinham intactas.

Mais: os magistrados faziam questão de incluir no processo as 27 perguntas que não tinham tido ocasião de colocar ao primeiro-ministro – e que, no fundo, ficavam a pairar como outras tantas suspeitas.



Durante o tempo que durou este processo fiz várias vezes a mim próprio a seguinte pergunta: como se explica que, tendo o nome de Sócrates sido tantas vezes referido, os investigadores não o tenham ouvido?


Como se percebe que, sendo ele o principal responsável do Ministério que esteve no centro de toda a polémica, não tenha sido chamado a dar explicações?

Como se entende que, sendo o superior hierárquico de vários arguidos no processo, não tenham precisado de lhe perguntar coisa nenhuma?

Não era compreensível.

Agora entendi: os investigadores queriam acumular o máximo de dados antes de ouvirem Sócrates.

Sendo ele agora primeiro-ministro, preferiram juntar todas as dúvidas para o ouvirem de uma assentada.

Só que, quando o iam fazer, o PGR mandou encerrar o processo.

Como um árbitro que apita para o fim do jogo quando vai ser marcado um penálti.

A decisão do PGR custa muito a entender.

Ninguém percebe por que razão o caso Freeport teve de ser fechado à pressa – quando, na mesma semana, a sentença do caso Casa Pia, anunciada com grande aparato, foi adiada por um mês.

No Freeport o PGR funcionou uma vez mais como um pára-choques do primeiro-ministro.

O que não espanta: em caso de dúvida, ele tem decidido invariavelmente a favor de José Sócrates.

Pinto Monteiro iniciou o seu mandato cheio de boas intenções.

As suas primeiras declarações eram frontais e revelavam independência.

Só que, com o acumular de casos envolvendo o chefe do Governo, o PGR foi--se sentindo encurralado pela comunicação social – e foi-se deixando encostar ao primeiro-ministro (num processo semelhante, aliás, ao que ocorreu com Marinho Pinto).

Ao ponto de podermos dizer que José Sócrates e Pinto Monteiro combatem hoje ombro a ombro na mesma trincheira: as críticas a um são vistas como críticas ao outro.

Para isso também contribuirá a amizade antiga de Pinto Monteiro com Proença de Carvalho – que por sua vez é advogado de Sócrates.



Uma última nota para o próprio Sócrates.


O primeiro-ministro decerto soube as condições em que o processo Freeport foi encerrado – e as perguntas que os magistrados queriam fazer-lhe e não puderam.

Ora como é que, sabendo isso, se prestou a fazer a declaração que fez, congratulando-se por ter sido completamente ilibado?

Como foi possível? Ao menos tinha ficado calado – e não vinha a público fazer aquele número de teatro. Para o primeiro-ministro já tudo é farsa, representação?

O certo é que, neste estranho caso, Sócrates acaba mais suspeito do que começou – porque as dúvidas sobre alguns dos seus actos ficaram registadas no processo para a posteridade.

José António Saraiva

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