PUB-Investigação do Freeport perdeu o rasto a milhões de euros
Julho 30, 2010 • imprimir
Autor: José António Cerejo/N.S./ J.A.C.
Data: Sexta-Feira, 30 de Julho de 2010
Pág.: 01, 10 e 11
Temática: Nacional
Justiça-Despacho final lança dúvidas sobre várias transferências de dinheiro
Investigação do Freeport perdeu o rasto a milhões de euros
Transparência Internacional coloca Portugal abaixo da linha de água quanto ao combate à corrupção
O despacho final do Ministério Público no inquérito ao licenciamento do Freeport não detectou a existência de crimes de corrupção e de tráfico de influências, mas deixa claro que não se sabe qual foi o destino de verbas num valor indeterminado que pelo menos ultrapassará os sete milhões de euros. Entretanto, o procurador-geral da República reagiu à notícia de ontem do PÚBLICO e ordenou um inquérito às “questões de índole processual ou deontológica” do caso. 4 Portugal.
Não houve acusação de corrupção, mas não se apurou o destino do dinheiro. Se houve crime, prescreveu
Se dúvidas havia, dúvidas há. O despacho final do Ministério Público no inquérito ao licenciamento do Freeport manda arquivar os autos no que toca a eventuais crimes de corrupção e tráfico de influência, mas deixa claro que não foi encontrado o destino de avultadas verbas que passaram pelas mãos de alguns arguidos.
A única acusação proferida respeita à alegada tentativa de extorsão praticada por Manuel Pedro e Charles Smith, donos da consultora Smith & Pedro (S&P) junto do grupo Freeport, e tem por base sucessivos pedidos de dinheiro que aqueles fizeram para pagar subornos e que não terão sido satisfeitos. Outra coisa são os pagamentos feitos à S&P e a vários arguidos pelo grupo Freeport e outras empresas ligadas ao projecto, cujo destino final não foi esclarecido e que poderiam estar relacionados com pagamentos ilegais a que há abundantes referências em documentos e testemunhos constantes dos autos.
No primeiro caso destacam-se os pedidos transmitidos por Smith a responsáveis do Freeport, em Setembro de 2001, para, ao que afirmava, pagar ao PS 3.000.000 (sem referir a moeda de que falava) e 300.000 a cada um dos outros partidos concorrentes às autárquicas de 2001 em Alcochete (CDU, PSD e CDS). Três meses depois terá pedido também dois milhões de libras (perto de 2,4 milhões de euros) para conseguir a aprovação ambiental do projecto. Já antes, em Abril de 2000, terá pedido 22 mil contos (110 mil euros) para pagar ao lobby. E mais tarde, em Maio de 2002, foi a vez de pedir 80 mil libras para entregar a alguém referido como “Pinóquio”, através de um tal “Bernardo”. vindo logo no mês seguinte a solicitar mais 50 mil. De acordo com as perícias financeiras, não foi encontrada prova de que o essencial destes pedidos tenha sido satisfeito, razão pela qual a acusação de extorsão se limita à “forma tentada”.
Já no que respeita aos fluxos financeiros de que foram encontradas provas nas contas bancárias no período de 2000 a 2005 e em relação aos quais o despacho diz que se mantêm dúvidas” quanto ao seu destino, avultam os cerca de 1,8 milhões de euros que o grupo Freeport transferiu para as contas da S&P. O mesmo acontece com 945 mil euros que saíram desta empresa para as contas de Smith e com os 936 mil que seguiram para as de Manuel Pedro. Sem finalidade conhecida há também metade dos 1,5 milhões que o consórcio Somague/ Edifer (que fez a obra do Freeport) pagou à S&P e ainda 473 mil que foram levantados em numerário das contas da S&P. Dúvidas persistem igualmente quanto a 181 mil euros em numerário e a uma transferência de 247 mil euros (em libras inglesas) que entraram nas contas de Smith, e a 209 mil em numerário depositados em nome de Manuel Pedro, além de uma transferência de 120 mil euros de Smith para Pedro.
Por conhecer, entre outras verbas menores, ficou também a origem e o destino de parte dos sete milhões de euros que foram transferidos para o arquitecto Eduardo Capinha Lopes (que assumiu o controlo do projecto do Freeport no final de 2001), a partir de contas sedeadas em paraísos fiscais e com titulares não identificados. Pouco claras mostraram-se ainda, pelo menos em parte, os depósitos em numerário de 150 mil euros e de 111 mil euros feitos, respectivamente, em nome de Carlos Guerra (ex-presidente do Instituto da Conservação da Natureza) e de José Inocêncio (ex-presidente socialista da Câmara de Alcochete), ambos com intervenção determinante em diferentes fases do licenciamento do Freeport.
Na impossibilidade de apurar o destino efectivo destes valores, não restava ao Ministério Público outra hipótese que não fosse a de arquivar o processo no tocante a eventuais práticas de corrupção e outros crimes económicos.
Mas, como as perícias urbanística e ambiental efectuadas no final de 2007 e em 2008 concluíram que o licenciamento do Freeport não envolve a prática de actos ilícitos, mesmo que se encontrassem eventuais corruptos, o crime já estaria prescrito desde Março de 2007. Isto porque os crimes para a prática de actos lícitos prescrevem ao fim de cinco anos.
Procuradoria vai ordenar inquérito
A Procuradoria-Geral da República (PGR) vai ordenar “a curto prazo” um inquérito para “o integral” esclarecimento de todas as “questões de índole processual ou deontológica” que o “processo possa suscitar”. 0 comunicado de Pinto Monteiro foi divulgado à hora dos telejornais, e o procurador-geral garantiu ter recebido “com surpresa” a notícia do PÚBLICO de que os procuradores do caso quiseram ouvir José Sócrates e que só o não fizeram por falta de tempo, com o fim do prazo de inquérito.
A PGR escreve, num comunicado de nove pontos, que “nunca o procurador-geral da República colocou qualquer limitação” aos procuradores do processo que “procederam à investigação, com completa autonomia, inquirindo as pessoas que julgaram necessárias”.
No despacho final do Ministério Público, os procuradores explicam que o vice-procurador-geral da República proferiu um despacho, a 4 de Junho, em que fixou o dia 25 de Julho como o fim do prazo para o encerramento do inquérito. 0 que impediu
a inquirição de Sócrates, alegaram os procuradores.
No comunicado, a procuradoria garantiu que foi a directora do DCIAP, Cândida Almeida, a propor a data de 25 de Julho para o fim a fase de inquérito, “pedido que foi deferido”. Só não diz que foi o vice-procurador. Garante é que nem Cândida Almeida, nem os magistrados titulares do processo pediram a “prorrogação do prazo ou invocaram a necessidade de qualquer diligência’.
Arquitecto contratado antes da viabilização
Eduardo Capinha Lopes aparece como peça-chave
O arquitecto Capinha Lopes - a quem o Ministério Público não atribuiu a prática de qualquer crime - surge no despacho final e no relatório da Polícia Judiciária como um elemento central da trama que rodeou a viabilização ambiental do Freeport, em Março de 2002.
Numerosos documentos e testemunhos reunidos nos autos dão corpo à ideia de que os consultores Manuel Pedro e Charles Smith convenceram os ingleses, logo após o segundo chumbo da avaliação ambiental, em 6 de Dezembro de 2001, de que a contratação de Capinha Lopes era fundamental para resolver o problema, dadas as suas alegadas ligações ao Partido Socialista e ao Ministério do Ambiente. O despacho dá como provado que foi José Inocêncio, então candidato do PS à presidência da Câmara de Alcochete (para a qual foi eleito em 16 de Dezembro), quem, a 11 de Dezembro, aconselhou Pedro e Smith a recomendar Capinha aos ingleses. E diz que o arquitecto tinha trabalhado gratuitamente na campanha do PS não só para as câmaras de Alcochete (à qual ofereceu o projecto de um centro cultural), mas também para as da Moita, Barreiro, Crândola e Santiago do Cacém.’
Numa carta dirigida a um dos administradores ingleses logo a 13 de Dezembro Smith garante que Capinha Lopes foi recomendado “pelas autoridades envolvidas na aprovação”, acrescentando que ele e o seu gabinete de arquitectos “estão muito próximos do ministro do Ambiente, assegurando uma aprovação adequada no interesse de todas as partes envolvidas”, sendo também certo que “não são arquitectos baratos”.
Nessa altura a avaliação ambiental acabara de ser reprovada, apesar de todos os membros da comissão responsável, à excepção do presidente do ICN, Carlos Guerra, entenderem que ela devia ser aprovada com condicionantes. Até então os arquitectos encarregues do projecto pertenciam à empresa Promontório, tendo os promotores ingleses sido convencidos, através de várias cartas e em sucessivas reuniões, de que a sua substituição por Capinha Lopes era uma condição da aprovação da nova avaliação ambiental, iniciada a 18 de Janeiro e que não resolveu muitas das razões do chumbo anterior, limitando-se a satisfazer algumas das condicionantes apontadas no parecer desfavorável anterior.
Apesar disso foi aprovada menos de dois meses depois, a 14 de Março, no termo de um processo cuja celeridade e outras circunstâncias, embora “não usuais”, os peritos contratados pelo Ministério Público consideraram não conter irregularidades ou ilegalidades.
De acordo com a PJ, citando o testemunho de Capinha Lopes, logo após a sua posse, mas em data indeterminada, José Inocêncio e o novo arquitecto do projecto reuniram-se, a sós, com o ministro do Ambiente, José Sócrates.
Segundo as perícias foram detectados nas contas de Capinha Lopes depósitos do grupo Freeport, entre 2002 e 2004, no total de 1,7 milhões de euros. Os peritos concluíram também que entraram nas contas do arquitecto e das suas empresas sete transferências no valor de 7 milhões de euros, provenientes de contas em paraísos fiscais com titulares desconhecidos e que tiveram como destino de diversas empresas e o Banco Insular.
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