LADRÕES À SOLTA EM PORTUGAL
OPINIÃO - DIÁRIO DE NOTÍCIAS
Quando o Estado dá péssimos exemplos
Lê-se e fica-se incrédulo. Na véspera do chumbo do PEC IV no Parlamento, e já com a crise política provocada pela demissão do primeiro-ministro a adivinhar-se, foi publicado em Diário da República o decreto-lei que autoriza várias entidades públicas a aumentarem exponencialmente os valores dos contratos que podem fazer por ajuste directo, sem concurso público.
As novas regras, promulgadas pelo Presidente a 1 de Março e que entram em vigor já a 1 de Abril, permitem que o primeiro-ministro possa entregar directamente contratos públicos de 11,2 milhões de euros, quando antes só podia autorizar 7,5 milhões. Os valores autorizados aos ministros passam de 3,75 para 5,6 milhões, os dos autarcas de 150 para até 900 mil e os dos directores--gerais de 100 para 750 mil.
Numa época de crise absoluta, em contenção orçamental, quando se conhecem medidas cada vez mais draconianas para controlar as despesas do Estado, a justificação do Ministério das Finanças não pode ser aceitável: uma "actualização dos montantes dos limites da autorização da despesas" que se mantinham desde 99.
O que está aqui em causa, muito mais que existir ou não razoabilidade para a medida - e, no caso concreto, nem sequer se percebe que a haja -, são as suas consequências e a imagem que ela dá. Autorizar despesas deste género e deste valor sem qualquer escrutínio ou controlo (sendo que é possível fraccionar obras e quintuplicar montantes) é, dada a condição humana, um estímulo, no mínimo, ao despesismo.
Mas é, também, um convite à desconfiança dos cidadãos. Quando o que se pede é que o Estado dê o exemplo, surgem actos completamente inversos. Um péssimo sinal. Crise do teatro, teatro da crise Há duas formas de encarar a situação do teatro em Portugal e a sua eterna crise, neste dia mundial que hoje se celebra: ou sublinhar, como Joaquim Benite em recente intervenção, que, "desde 2000, essa crise resulta do carácter errático, improvisado, caprichoso e casuístico de políticas constantemente alteradas por ministérios incompetentes e incapazes de definir um quadro global de funcionamento do tecido teatral português"; ou optar pelo optimismo, como Maria João Luís hoje ao DN: "O teatro está de óptima saúde.
Estão a acontecer muitas coisas, podem não ser coisas muito inovadoras e extraordinárias, mas nota-se que há uma grande vontade de criar, de trabalhar e de fazer." O que pode parecer mais espantoso é que ambos têm razão. Manuel Maria Carrilho foi o último ministro da Cultura que decidiu, com coerência, um plano global para o teatro (e para outras políticas sectoriais no âmbito da cultura). Desde então, os profissionais do teatro foram substituídos pelos burocratas na definição e gestão de um serviço público raramente entendido como tal. Mas também temos assistido a formas originais de organização e resistência, como tentativas de resposta a uma crise mais geral que não podia deixar de achegar aos palcos.
Por isso, à crise do teatro (e do resto) responderam muitos actores com o combate, a iniciativa e a originalidade de um teatro da crise que, em muitos casos, os fez sair dos grandes centros e procurar novos públicos. E só assim, com política definida ou errática, muitos ou poucos subsídios, o teatro é, e sempre será (para usar as palavras da dramaturga Margarida Fonseca Santos, autora da Mensagem da SPA para este dia mundial), "o palco onde a vida se pode mostrar e onde se constrói vida para além da que vivemos
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