segunda-feira, 19 de março de 2012

"Em 1975, a dor foi industrializada. A Ponte Aérea foi mais que uma operação logística. Imagine o leitor agarrar por atacado na população do Porto ou da Amadora, embarcá-la em seis semanas e colocá-la a seis mil quilómetros de distância. Para trás, casas, mobílias, livros, afectos, animais, memórias. Os aviões vinham carregados, como os comboios de gado que chegavam ao Gulague ou a Auschswitz. Sempre de noite, longe dos olhos e corações de um país caído na "foul baboonery of Bolshevism" (Churchill) ou dos turistas que vinham a Portugal naquele verão em busca de sol. Se chegavam à tardinha, os aviões eram colocados pudicamente no extremo da pista da Portela até que a noite se pusesse e aquela gente esfaimada, rota e descalça, com velhos agonizantes, outros já mortos, mais crianças nuas que não faziam o boneco do colonialista de chibata na mão pudesse ser desembarcada e encaminhada para as muitas Drancy que o Portugal revolucionário criou. Quantas vidas custou? Quantos traumas, quanta humilhação? Isso não importa, pois que eu saiba, os Coutinhos, os Almeidas Santos e demais Eichmann à portuguesa jamais expressaram o mínimo remorso.

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