Sexta-feira, Junho 01, 2012
"A mentira e o roubo institucionalizados"
"Não me parece que os militares se queiram meter nisto. Não estão com a força anímica que tinham antigamente, aquela alma que reagia quando a pátria está em perigo".
O ministro da Defesa de Portugal considera que as Forças Armadas não são sustentáveis "tal como estão", defendendo mais gastos no "produto operacional" e cortes no pessoal militar.
"Não é possível continuarmos a achar que temos de ter capacidade operacional e continuarmos a gastar o que gastamos no pessoal e a cortar no equipamento, que é fundamental para termos capacidade de intervenção", diz Aguiar Branco.
Além da redução de 10% no efectivo militar imposto pela troika, o ministro referiu que ainda é possível fazer mais ajustamentos nas Forças Armadas.
Aguiar Branco defendeu ainda que a dimensão da defesa nacional é "importante e deve ser olhada pelos portugueses com carácter prioritário", criticando a arrogância "geracional dos que pensam que o bem-estar, a paz e a segurança não estão em causa e são dados adquiridos".
E por falar em arrogância, paz e segurança… permitam-me que fale, que volte a falar, que continue a falar de Pires Veloso.
O general Pires Veloso foi um dos protagonistas do 25 de Novembro de 1975, ficou conhecido como "vice-rei do Norte". Hoje defende um novo 25 de Abril, de raiz popular, para acabar com "a mentira e o roubo institucionalizados".
"Vejo a situação actual com muita apreensão e muita tristeza. Porque sinto que temos uma mentira institucionalizada no país. Não há verdade. Fale-se verdade e o país será diferente. Isto é gravíssimo", disse no passado dia 23 de Abril o general em entrevista à Lusa.
Para Pires Veloso, que enquanto governador militar do Norte foi um dos principais intervenientes no contra-golpe militar de 25 de Novembro que pôs fim ao "Verão Quente" de 1975, "dá a impressão de que seria preciso outro 25 de Abril em todos os termos, para corrigir e repor a verdade no sistema e na sociedade".
Pires Veloso, agora com 85 anos, puxa dos galões de oficial com provas dadas e considera que não poderão ser as forças militares a promover um novo 25 de Abril. Porquê? "Não me parece que se queiram meter nisto. Não estão com a força anímica que tinham antigamente, aquela alma que reagia quando a pátria está em perigo".
"Para mim, o povo é que tem a força toda. Agora é uma questão de congregação, de coordenação, e pode ser que alguém surja" a liderar o processo.
E agora que "o povo já não aguenta mais e não tem mais paciência, é capaz de entrar numa espiral de violência nas ruas, que é de acautelar", alertou, esperando que caso isso aconteça não seja com uma revolução, mas sim com "uma imposição moral que leve os políticos a terem juízo".
Pires Veloso defende uma cultura de valores e de ética. "Há uma inversão que não compreendo desses valores e dessa ética. Não aceito a actuação de dirigentes como, por exemplo, o Presidente da República, que já há pelo menos dois anos, como economista, tinha obrigação de saber em que estado estava o país, as finanças e a economia. Tinha obrigação moral e não só de dizer ao país em que estado estavam as coisas", defendeu o general com a coragem que se lhe reconhece.
Pires Veloso lamentou a existência de "um gangue que tomou conta do país. Tire-se o gangue, tendo-se juízo, pensando no que pode acontecer. E ponha-se os mais ricos a contribuir para acabar a crise. Porque neste momento não se vai aos mais poderosos".
O general deu como exemplo o salário do administrador executivo da Electricidade de Portugal (EDP) para sublinhar que "este Governo deve atender a privilégios que determinadas classes têm".
"Não compreendo como António Mexia recebe 600 mil euros e há gente na miséria sem ter que dar de comer aos filhos. Bem pode vir Eduardo Catroga dizer que é legal e que os accionistas é que querem, mas isto não pode ser assim. Há um encobrimento de situação de favores aos mais poderosos que é intolerável. E se o povo percebe isso reage de certeza", disse.
Para Pires Veloso, "se as leis permitem um caso como o Mexia, então é preciso outro 25 de Abril para mudar as leis", considerando que isto contribui para "a tal mentira institucionalizada que não deixa que as coisas tenham a pureza que deviam ter".
Casos como este, que envolvem salários que "são um insulto a um povo inteiro, que tem os filhos com fome", fazem, na opinião do militar, com que em termos sociais a situação seja hoje pior, mesmo, do que antes do 25 de Abril: "Na altura havia um certo pudor nos gastos e agora não: gaste-se à vontade que o dinheiro há de vir".
Quanto ao povo, "assiste passivamente à mentira e ao roubo, por enquanto. Mas se as coisas atingirem um limite que não tolere, é o cabo dos trabalhos e não há quem o sustenha. Porque os cidadãos aguentam, têm paciência, mas quando é demais, cuidado com eles".
"Quando se deu o 25 de Abril de 1974, disseram que havia de haver justiça social, mais igualdade e melhor repartição de bens. Estamos a ver uma inversão do que o 25 de Abril exigia", considerou Pires Veloso, para quem "o primeiro-ministro tem de arrepiar caminho rapidamente".
Passos Coelho "tem de fazer ver que tem de haver justiça, melhor repartição de riqueza e que os poderosos é que têm que entrar com sacrifícios nesta crise", defendeu, apontando a necessidade de rever rapidamente as parcerias público-privadas.
"Julgo que Passos Coelho quer a verdade e é esforçado, mas está num sistema do qual está prisioneiro. O Governo mexe nos mais fracos, vai buscar dinheiro onde não há. E, no entanto, na parte rica e nos poderosos ainda não mexeu. Falta-lhes mais tempo? Não sei. Sei é que tem de mudar as coisas", disse Pires Veloso.
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