segunda-feira, 16 de setembro de 2013

 VER PARA ALÉM DA NUVEM

 Os jornais locais de hoje, Diário de Coimbra e Diário as Beiras, dão à estampa a primeira página com o título Agente da PSP preso após assaltar casa”. Há quatro dias, nos mesmos periódicos, a “caixa-alta” era: “Assaltou à mão armada após falência da loja”. Já para não falar nos roubos noticiados que não merecem destaque especial vemos que estamos transformados numa sociedade em fim de linha, recorrendo a tudo, incluindo a violência, para sobreviver.
Não pretendo lavar o acto em atenuantes de águas sujas mas, por um momento, gostaria de pedir reflexão para o que está a acontecer a pessoas que, independentemente da profissão, sempre levaram uma vida digna e agora, pela força das circunstâncias, se vêem empurradas para o crime. Será que para além da vontade em praticar o facto não estiveram motivações poderosas? E quem desencadeou essas causas pode, como Pilatos, lavar as mãos na denominada moral social? Uma sociedade que tem o valor ético como fio condutor que entrelaça as teias da colectividade nos costumes, ethos, assentes na justiça, na equidade do tratamento justo, precisa do princípio da segurança, por parte do Estado, como um primado subjacente à sua existência -a seriedade, enquanto valor honestidade, só se multiplicará se estiver alicerçado na reciprocidade e estiverem criadas condições mínimas de convivência social. Quando falta esta base ínfima, que transforma um cidadão cumpridor num ladrão, os valores desaparecem e só se poderá esperar o pior que existe dentro de cada um de nós. Ora o que está este Estado, enquanto entidade abstracta de representação comunitária, a fazer aos seus cidadãos que jurou defender em Contrato Social assente na Constituição da República? Como juiz em causa própria legislando ao sabor das suas conveniências, numa arbitrariedade subversiva, por um lado, visando o vínculo relacional do funcionário público, a montante baixa-lhes o salário, único rendimento para fazer face a despesas assumidas anteriormente e incentivadas numa base de confiança política, e, por outro, a jusante aumenta-lhe a carga fiscal a pagar. Por outro lado ainda, sabe-se que ao cortar os rendimentos dos assalariados da função pública, inevitavelmente, se vai mandar para o charco a procura interna e, consequentemente, abalar toda a economia com falências, com desemprego em massa, cujo objecto visa unicamente baixar os custos do trabalho. Na subsequência, os privados, tal como a função pública, com compromissos financeiros assumidos, vêem-se perdidos neste cenário de guerra onde, em estado de necessidade a acção directa prevalece, e vale tudo para sobreviver. Perante o que está acontecer, poderemos condenar sem mais nem menos quem se vê obrigado a recorrer ao crime?

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