Portugal, um país psicotropical
por John Wolf, em 24.09.13
O ser humano, quando exposto a níveis exagerados de adversidades, procura sempre compensar essa carga negativa de inputs
e afastá-los do seu espectro, da sua visão. Numa primeira fase, que não
deixa de ser crítica, a negação é a reacção natural. A melhor forma de
não emprestar força a algo que está a acontecer diante dos nossos olhos,
é fingir que não se vê - fazer de conta que não existe. Essa constitui a
primeira fase de integração inconsciente da crise. O cidadão que
lentamente se vê privado da sua condição material e social, procura
seguir em frente fazendo uso de mecanismos de substituição que garantam a
manutenção da sua aparência e configuração iniciais. Finda essa fase,
contornada de maneira engenhosa, mas desprovida de sustento, entramos
numa fase de efectivo abandono do estatuto. De repente o cidadão,
consciente da sua mudança, rejeita a "nova" configuração existencial. O
meio envolvente que havia sido subjugado pelas capacidades individuais
ou colectivas, passa a deter uma posição dominante e a imprimir um curso
de acção indesejado. O descalabro económico e social, intenso na sua
expressão, já não pode ser compensado com artefactos, e se torna
efectivamente algo físico, sentido na pele e pela alma das pessoas.
Nesse estádio avançado de tomada de consciência da perda, a depressão é
uma consequência natural e, o indivíduo diminuído procura um modo de
desligamento do eco-sistema social e político, e da ordem afectiva e
emocional. Quando uma nação se encontra nesse estado de decadência, a
única solução parece ser acelerar o processo de afastamento da
realidade. Lamentavelmente, julgo que um extenso número de cidadãos
deste amargurado país, já se encontra em processo de abandono, assumindo
a perda irreparável como destino final. O mais recente relatório sobre o consumo de psicotrópicos em Portugal indicia um problema muito mais grave
que extravasa as noções convencionais de um serviço nacional de saúde,
já de si em desfalecimento acelerado. Os utilizadores de substâncias
promotoras de alheamento social e emocional, terão de ser entendidos de
acordo com outro conceito, próximo da doença colectiva e da náusea de um
povo. À falta de receitas médicas, os indivíduos procurarão diversos
modos de auto-medicação, de auto-ajuda ou auto-destruição - os suicídios
inscrevem-se nesta categoria. A administração de agentes de acalmia ou
euforia escapam a uma tabela convencional. Por um lado, teremos os
utentes diagnosticados que já percorreram um caminho receituário longo
e, por outro lado,
teremos camadas jovens da população, que sentindo um desalento precoce
em relação ao futuro, enveredam por práticas que estão de acordo com o
seu posicionamento cultural - é aqui que entra a marijuana, o haxixe
e mais tarde as drogas mais duras. Não falei da bebida, esse
perturbador crónico do equilíbrio das sociedades porque precede esta
crise em particular, mas convém sublinhar que o problema do consumo do
álcool se tem vindo a agravar e não o contrário. A "guerra" que esta
crise representa e que arrastou os portugueses para o campo de batalha
pela sobrevivência (entre outros povos da Europa e do Mundo), gerará
situações pós-traumáticas que terão de ser tratadas sem mais demoras.
Esta devastação que corrói a textura das mulheres e homens deste país,
tem de ser tratada em sede de pensamento sobre o futuro de Portugal. O
conceito tradicional de veterano de guerra está a ser destronado por
outra maleita com expressão negativa equivalente - a colonização das
doenças mentais e do foro psicológico. Os comprimidos que estão a ser
ingeridos de um modo acelerado são um indicador de uma malaise
muito mais grave, e cujos efeitos far-se-ão sentir nas décadas que se
seguem. O preço a pagar é elevadíssimo e não existe uma receita simples
de retoma económica que possa apagar os danos causados às pessoas. O
resgate que Portugal vai requerer não se pode resumir a mais uma tranche
avultada de dinheiros. Estamos a lidar com vidas humanas e algo que não
pode ser reposto com facilidade - falo de esperança -, um bem cada vez
mais raro.
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