Os miseráveis Mirós da nossa corrupção
Não há nada mais do que me chateie, do que estar entretido com as minhas coisas, e ser forçado a escrever sobre outras, dado o estado de parvidade geral do país.
Começo pelas minhas, por que nada há de mais divertido do que mandar vir um tetarteron de Andronico I, Comneno -- figura cuja biografia vos recomendo, por divertidíssima -- e o colecionador búlgaro me o fazer chegar escondido dentro de uma disquete (!), das antigas, das quais já nem me lembrava, um pouco como Suetónio ficciona que Cleópatra VII, Philopator (Κλεοπάτρα Φιλοπάτωρ), se fez desenrolar de dentro de um tapete, perante César, o homem de todas as mulheres, e a mulher de todos os homens.
Estão são as minhas coisas, as divertidas, e era entretido com elas que eu estava, até me começar a chatear as orelhas um tema que anda a circular demasiado para o meu gosto, o dos Mirós, com os quais Oliveira e Costa e os seus capangas andaram a gastar o nosso dinheiro, ao ponto de nos levar à Bancarrota, sempre sob o alto patronato do seu patrão, e inspirador, o Vovô Corrupçao, Aníbal Cavaco Silva, cuja amnésia sobre o que fez ao pais, nos Idos de 80 e 90 só é possível neste quintal de analfabetos funcionais, e inaptos para a ação.
Comecemos pelo fim, para ficar esclarecida já a questão: aquelas merdas do Miró são subprodutos de segunda, terceira, e, alguns, mesmo de quarta linha -- se é que são dele -- e que foram comprados, só o demo saberá onde, e aconselhados só satã saberá por quem, embora eu tenha suspeitas sobre os autores, dado que a terra é pequena e a rés conhecida, mas já lá iremos. Personalizando a coisa, e tivesse sido eu o olho estético a aconselhar a compra, ou o selecionar do que é para ficar e partir, diria que se safam, muito à justinha, 5 ou 6 peças, que, com um foco de luz, e um pouco do manto diáfano da fantasia, de que Eça falava, até pareceriam aquelas cinquentonas, já fora de prazo, que ficam na sombra do "Luanda", à espera de que o negrão as rebente por detrás. No passo seguinte, ou seja, sendo ainda mais minucioso na personalização, se me dessem a escolher alguma coisa dali, agarrava em três, mas, desiludam-se, ó, incautos, nunca para os pôr nas paredes das minhas casas, bem antes para ver como me desfaria, o mais rapidamente possível, daquilo, enquanto não se descobrisse que tinham baixo valor.
No processo, tudo está errado: supondo que houve critério, e não foi mesmo pelo adquirir, só para branquear, imagino que os conselheiros da aquisição tenham sido aquelas mesmas luminárias, que rondavam o célebre antro da Fundação Luso Americana, para colocar os amigos, onde o Machete fez tanta merda que os Americanos, que o tinham comprado para substituir um segmento da Arte Portuguesa por um segmento afim de colonização de lixo e tique americanos, o que deu origem à já esquecida, mas então célebre proliferação dos "Pedros" (Calapez, Portugal, Cabrita Reis, entre outros, com uma pequena ressalva de exceção para o Proença, que até tinha talento). Havendo fundos americanos ilimitados, e sendo um país de atrasados mentais, toca de criar uma campanha de propagandização, para fingir que existiam, eram únicos, maravilhosos e inimitáveis. Caíram na gaveta da História, criando um buraco cultural de uma geração, a que se acrescenta hoje a ruína de Portugal, que agora está a criar mais vinte anos de vazio cultural, que cara nos vai sair para os vindouros, mas isto sou eu a perorar alto, porque quem me conhece sabe bem do que falo, e felizmente nunca parou. A História nos tirará dos baús.
Voltando ao Miró, o problema do Miró é um problema semelhante a uma campanha de propaganda, como a que tirou de debaixo da cama um escritor medíocre, como Saramago, para o levar em ombros até à indignidade de representar uma Literatura antiga, vasta e nobre, capaz de produzir Pessoa. Grosso modo, o mesmo que pôr o Pinto da Costa nos Jerónimos, ao lado de Camões e Afonso de Albuquerque. A viuvinha de profissão, Pilar del Rio, vai-se lembrar destas minhas palavras, quando a extrema direita europeia a atropelar, em Estrasburgo. Aliás, nem é preciso ir mais longe, por que a História já se está a escrever, de forma lapidar sobre quem foi o sinistro homem público, ingrato e traidor da aristocrática Isabel da Nóbrega. A seguir, cai a obra, e então nós poderemos respirar fundo, mas isso tem tempo, e é agora irrelevante. A outra que pague as faturas da eletricidade.
O problema dos Mirós, verdadeiros ou falsos, prende-se com aquela irremediavel seleção do gosto que temos de fazer, e isso não é para todos, embora me surpreendam as atitudes do Jorge e da Gabriela, que conheci em tempos melhores, e deveriam perceber que, em Arte, não há boas intenções, como Wilde, muito acertadamente, afirmava. Para a Christie's, ou qualquer outra, o problema é irrelevante, posto que umas luzes bem posicionadas, um catálogo de gramagem cara e um adequado design conseguem vender qualquer coisa. Aliás, o autor do enredo soube bem como pôr a coisa: "não sei quantas décadas de Miró", acrescentadas de "o mais elevado número de obras (dele) a aparecer num só ato". Como as americanas ricas já foram mais burras, e o dinheiro se deslocou para Oriente, a coisa dava um bom golpe, já que os Chineses compram a merda toda e a Mafia Russa, desde que o preço seja alto, investe, tornando bitcoins negros em cintilações artísticas. The Business, da Christie's tal como the business, da Pilar del Rio, salvaguardada a escala das empresas e a grandeza de Miró, mesmo nas más obras, que Saramago nunca conseguiu alcançar, nem nas reputadas "boas".
Para quem se interesse pelo assunto, investigue la période vache, de Magritte, para perceber o grau de invalidez das obras da période vache de Miró.
Esgotada a primeira carga de munições, vamos ao que realmente interessa: da multidão de oligofrénicos que já perorou sobre os Mirós-BPN, inclusivé aquela espantosa cara de estupidez que o Vovô Corrupção está a fazer, perante um BOM Miró, todos se esqueceram, salvo honrosa exceção para a Diretora do Jornal de Negócios, Helena Garrido, que pôs o dedo na ferida: um país, onde a política cultural é inexistente, exceto nos miados da Mariza -- que a História esquecerá, para apenas reter o gigante Amália --, nas merdas do José Rodrigues dos Santos, ou do Miguel Sousa Tavares, não se pode dar ao luxo de criar uma polémica política, em redor de produtos menores de um genial pintor, porque imediatamente, supondo que por cá ficavam, e se arriscam a ficar, por que o mercado da arte é altamente desconfiado e volátil, e, se descobrem que aquilo tem mau cheiro, passam adiante, perdemos o dinheiro da venda e a questão seguinte é: então, agora, vamos arrumá-los onde?...
Relembremos que estamos na Cauda da Europa, onde o Estado foi incapaz de criar uma coleção de Arte Contemporânea, tirando as sucatas locais, compradas aos amigos, e as "esculturas" das rotundas do Isaltino, pedra, em forma de lixo. Quem se preocupa com a Coleção Jorge de Brito, onde estão, por exemplo, Klee, que já deveriam estar organizados num acervo de Arte Contemporânea, para não sermos obrigados a ver uma assinatura de primeira água nas peças de terceira água de outro que tal, o "Comendador" Berardo, brilhante sucateiro de "Arte"?...
Não existindo tal museu, eu proponho um, muito mais adequado ao palco deste debate: tal como os parisienses têm um Musée de la Contrefaçon, onde alertam para o risco das imitações, nós deveríamos abrir um Museu da Corrupção, com salas próprias, a Sala Cavaco, a Sala Machete, a Sala Barroso, a Sala Duarte Lima, a Sala Dias Loureiro, a Sala Armando Vara, a Sala Portas, a Sala Apito Dourado, a Sala BPN, e, dentro da Sala BPN, então haveria lugar para os célebres "Mirós", ao que insisto em chamar "Lixo Miró", e epifenómeno da masturbação dos nossos analfabetos funcionais, tal como foram Foz Coa, as casas de banho do Carrilho e os estádios do Euro pedófilo 2004.
Evidentemente, que, por mais que tentem galambizar o assunto, nunca a Política fará Arte, embora a Arte acabe sempre por fazer política.
Por fim, uma vez aberto tal Museu, até podiamos arranjar um lugar de Curadora, para a Pilar, para que não tenha de andar tanto aos saltinhos, enquanto o juízo da História avança :-)
Tenham juízo, pá.
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