"Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio,
fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos
de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a
energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas;
um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está,
nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda
ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma
nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta.
Uma
burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula,não descriminando já o
bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que,
honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e
sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à
falsificação, da violência ao roubo, donde provém que na política portuguesa
sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente
inverosímeis no Limoeiro.
Um
poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do
moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do
País.
A
justiça ao arbítrio da Política,torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela
saca-rolhas.
Dois
partidos sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, vivendo ambos do
mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos
actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se malgando e
fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, de não caberem
todos duma vez na mesma sala de jantar."
Guerra Junqueiro, 1896
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terça-feira, 18 de março de 2014
Assunto: O que Guerra Junqueiro escreveu em 1896...
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