terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

BANDO DE ARGEL 1

"Quando das manifestações de Novembro de 1960, em Luanda, um dos nativos que usou da palavra para manifestar o seu repúdio às mentirosas campanhas internacionais e a sua determinação de continuar português até à morte, foi o soba de Cassoneca. Discurso sem floreados literários ou filosóficos, mas de verdadeiro significado patriótico e espontaneidade. Sete meses mais tarde esse mesmo soba era barbaramente assassinado, com requintes de selvajaria, pelos terroristas que assolavam a região de Icolo e Bengo".


À esquerda uma casa comercial pilhada e incendiada e à direita a casa do soba de Cassoneca (fotos Manuel Graça)


Soba de Cassoneca morto à catanada e esventrado pelos assassinos da UPA (foto Manuel Graça).

"Voltamos aos princípios do terrorismo (...) Que haverá, por exemplo, a acrescentar ao depoimento daquele pai que fora espancado com as pernas do próprio filho morto a golpes de catanada? Ou aquele marido que, amarrado a uma árvore, foi obrigado a ver a sua mulher ser violada por mais de duas dezenas de assassinos, em toda a sua fúria animal? Ou ainda a inacreditável barbaridade com que foram mortos europeus, perto de Maquela, serrados vivos numa serra mecânica? Estes, entre milhares de outros casos, constituiam a coroa de louros do senhor Holden Roberto, o sanguinário chefe da UPA, a quem os areópagos internacionais rendiam homenagem e abriram as portas para que contasse ao mundo como fazia o que eles chamavam de "guerra da libertação".

Enquanto nas matas de Angola morriam milhares de inocentes aos golpes traiçoeiros das catanas dos seus capangas, Holden Roberto passeava em carro americano de luxo, com "chauffeurs" às ordens, em Leopoldvile ou qualquer outra cidade apelidando-se a si mesmo de salvador das gentes de Angola. E a corja de assassinos continua a satisfazer os seus instintos sanguinários e selvagens, em nome da Paz de da Liberdade!"

Angola 1960/1965, Manuel Graça.




Mas, quem é Holden Roberto?

HoldenRoberto.

"(1924- ) Dirigente nacionalista angolano, com um percurso atribulado no seio dos movimentos anticoloniais. Iniciou a sua actividade em 1954, com a fundação da União dos Povos do Norte de Angola (UPNA), uma organização de povos bacongos, mais tarde designada UPA para lhe retirar o carácter tribal. Em 1960, assinou um acordo com o MPLA, que rompe passados seis meses, decidindo assumir por si só a liderança da luta contra o colonialismo português. A sua grande acção teve início no dia 15 de Março, no Norte de Angola, com o assalto às fazendas do café e a morte indiscriminada de colonos brancos e trabalhadores negros bailundos. A brutalidade e a ausência de finalidade desta acção, em que os objectivos políticos e militares nunca foram esclarecidos, mancharam toda a subsequente luta anticolonial e forneceram ao regime português as imagens de horror e barbárie que lhe permitiram apelar à mobilização para a guerra. Em 1962, criou a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), da qual se tornou presidente. Esta organização constituiu o Governo Revolucionário de Angola no Exílio (GRAE), onde Jonas Savimbi surge como ministro dos Negócios Estrangeiros. Holden Roberto manteve sempre uma estreita ligação com Mobutu, presidente do Zaire, país em que se instalaram as bases do movimento. Embora tenha recebido armas dos países de Leste, a sua ligação privilegiada foi sempre com os EUA, que lhe pagam uma avença anual e fornecem conselho técnico, inclusive com a presença de agentes nas suas bases".

http://www.uc.pt/cd25a/aedp_po/trabalhos/colonial/protags/protags.htm

"A 13 de Abril, o Úcua, a pouco mais de uma centena de quilómetros da capital, sofre um assalto de terrível ferocidade. Mais vidas sacrificadas a uma sanha sanguinária, violenta de ódio habilmente cultivado, como se essa fosse a recompensa devida a muitos colonos que dedicaram uma vida inteira a melhorar a situação dos nativos (...). Numa das suas habituais visitas à Fazenda Luzia, uns dias antes dos acontecimentos em Luanda, um velho servidor seu avisara-o de que "não dormisse despido pois que nas sanzalas andava tudo muito mal, mas que nada dissesse para que os companheiros o não matassem". Acácio Cunha não dera ouvidos ao velho pois, como os demais, não acreditava que a paz e a franca convivência de anos fossem destruídas sem qualquer razão. No entanto, agora que o inacreditável aconteceu, graças à diligência daquele colono, as autoridades empreenderam uma rusga à região. Uns 640 bailundos, armados de catanas e paus, trabalhadores da fazenda, colaboraram na rusga, auxiliando o pelotão militar e os 20 civis da fazenda, armados. Dois dias depois da tropa regressar a Caxito, terminada a rusga, uma horda de bandidos assaltava o Úcua (...)".


Na foto da esquerda um bailundo morto à catanada, degolado e queimado e na seguinte mais dois bailundos queimados (fotos Horacio Caio.


Bailundo morto à catanada e queimado (foto Horácio Caio )

"Os ataques sucediam-se, num ímpeto feroz e assustador. Chegam noticias de actos de autêntica heroicidade e bravura, praticados pelos colonos, quase sem armas e com a resistência a esgotar-se, mas com a determinante e indomável vontade de não arredar pé, nem oferecer tréguas ao inimigo. Heróis anónimos que a História não registará, mas que estavam a escrever com o seu sangue, com a sua luta desigual, as páginas da própria História de um país de tradições invejáveis.

A luta titânica do Mucaba, acompanhada minuto a minuto nos receptores, os dramáticos apelos dos defensores da pequena povoação que, entrincheirados na igreja, já sem munições e com o emissor-receptor semi-avariado, aguentam ataques consecutivos há três dias, enchiam de lágrimas os olhos de todos os portugueses. Desesperadas tentativas para lhes levar munições, por parte da aviação, eram goradas pelo espesso nevoeiro que cobria completamente a região. Na capital, enxugando as lágrimas e roendo as unhas, vivia-se a defesa de Mucaba. Agora as munições estavam no fim, segundo a última comunicação recebida pelo P-19 e o aparelho havia silenciado. Teriam morrido todos? A sua última mensagem fora aterradora: "acabaram-se as munições". "Temos pouco mais de uma bala para cada um. Vamos morrer, mas morreremos portugueses!". O tenente-coronel Neto, da Força aérea, ia tentar mais uma vez lançar-lhe munições (...).

- Estamos mesmo por cima deles – disse o tenente-coronel Neto, ao mesmo tempo que manejava o "manche" para a esquerda, fazendo o avião dar uma volta apertada (...). O nevoeiro cerrado não deixava ver absolutamente nada para terra. A região era acidentada e seria arriscadíssimo fazer uma "perfuração" naquelas condições (...). Ali o nevoeiro oferecia uma pequena abertura. Uma nesga, por onde mal caberia um dos motores do avião. O tenente-coronel Neto cerrou os dentes e benzeu-se.

- Vamos tentar. Seja o que Deus quiser!

Num ápice, empurrou o "manche" para diante e o PV2 "meteu o nariz para baixo"começando a descida vertiginosa. O jornalista não tirava os olhos do pára-brisas do avião. Aqueles segundos pareceram uma eternidade. O piloto sorriu levemente. Os olhos de todos iluminaram-se. Ali estava, bem debaixo deles, a igreja de Mucaba, baluarte da resistência de um punhado de heróis, símbolo de um povo consciente da sua missão no mundo conturbado e cego. Ali estavam eles!

O largo fronteiro à igreja estava cheio de terroristas que se preparavam para novo assalto, assim como a rua principal. As metralhadoras no nariz do PV2 entraram em acção vomitando fogo. O avião, em voo picado "varreu" duas ou três vezes o local, semeando a morte entre os assaltantes. Muitos tentaram ainda a fuga, mas poucos o conseguiram. Em breve centenas de cadáveres se juntaram aos que lá estavam, vítimas das balas certeiras dos defensores acampados na igreja. Um dos resistentes subiu ao campanário da igreja acenando efusivamente. O PV2 continuou depois a sobrevoar Mucaba. A alegria dos heróis era contagiante. Agora tinham já saído da igreja e acenavam para o avião que os havia salvo na hora exacta. O tenente-coronel Neto deu ordens a bordo e as munições e víveres foram lançados. Estava cumprida a missão e salvo os heróis do Mucaba (...)".


Jovem branca de 18 anos, violada e assassinada numa fazenda perto de Quitexe.
O cadáver desnudo com um pau metido na vagina e crianças assassinadas no berço, na fazenda Nunes, nos arredores de Quitexe.
15 de Março, um "trofeu" para os dirigentes da UPA (fotos Horacio Caio).

"Os ataques não cessavam, cada vez mais bárbaros e mais cruéis. Angola inteira vivia as horas trágicas do Norte, acompanhando a par e passo os acontecimentos. Entretanto em Lisboa, o Governo da Nação, pela voz do seu chefe, tomava as decisões rápidas e drásticas que a situação exigia. Ninguém em Angola esquecerá as palavras do grande Salazar ao anunciar as medidas tomadas e a sua razão: - "para Angola rápidos e em força". Angola não tinha, como tentavam fazer crer lá fora os nossos inimigos, tropas para a defender. A paz em que sempre vivemos não necessitava de tropa. Apenas algumas centenas de soldados, aqueles que por força da obrigação estavam a cumprir o seu tempo normal de serviço militar, constituíam o efectivo da Província. Mas a situação era mais grave que poderia parecer. E Salazar compreendeu-o imediatamente. À sua ordem, começaram a embarcar em Lisboa tropas para a defesa de Angola contra o invasor, contra a sanha assassina. Ele mesmo assumiu a pasta da Defesa para garantir o cumprimentos das suas ordens de defender Angola, custasse o que custasse. Ninguém em Angola esqueceu aquele dia de Abril de 1961, nem as palavras do homem que em toda a sua vida de governante tem dado provas cabais a todo o mundo de que Portugal não é um país qualquer, nascido, como a maioria, de simples interesses financeiros ou ideológicos. Portugal é uma Nação de séculos, a quem a civilização do mundo muito deve. E isso nem todos querem reconhecer (...)".


Fazenda Tabi. Os bandidos drogados depois de cortarem a cabeça aos pacíficos trabalhadores bailundos espetaram-nas em estacas (fotos Manuel Graça)


Cabeças de bailundos decepadas (foto Horacio Caio)

"Os terroristas fizeram três assaltos ao Tabi, com mais de três horas de duração. Houve duas mortes e vários feridos da partes dos defensores. Os terroristas sofreram baixas consideráveis, apesar de se terem refugiado na mata, como era seu costume. A tropa ocupava agora a Fazenda Tabi e tomava a seu cargo a sua defesa. Batia as redondezas na caça de bandoleiros. A guerra não deixava momentos para descanso. Tudo cheirava a sangue e a pólvora queimada. Eram os clássicos tiros contra as bárbaras catanadas do bando de facínoras a soldo de estranhos. Era a guerra em toda a sua incompreensão e cegueira. Assassinos narcotizados, obedecendo a ritos estranhos e grotescos, infestavam o Norte de Angola. A repressão ao crime e ao terrorismo exigia um esforço gigantesco, quer humano quer material. Mas tudo se vencia, com sacrifícios inegualáveis e vontades inquebrantáveis (...)".

Referi anteriormente que os radioamadores de Angola em 1961 contribuiram também com o seu esforço para passar informações em tempo útil quando por vezes os sistemas de comunicações por P-19 falhavam. Por isso naquele fatídico ano de 1961, no auge da luta armada para eliminar os bandoleiros do Norte de Angola, nós, os radioamadores de Luanda, fizemos uma reunião e por comum acordo, um de nós ficaria de turno toda a noite na sede da Liga.

Uns meses antes dos acontecimentos de 1961 esteve de visita à Liga um indivíduo que me informou que gostaria de ser radioamador mas que na altura não tinha meios para construir um emissor com pelo menos 50 Watts mas que poderia construir uma mais pequeno para praticar já que tinha adquirido um receptor onde costumava ouvir os radioamadores. Esse indivíduo cujo nome não me recorda era Administrador do Posto de Cangola no Norte de Angola.

Dei-lhe um esquema para fazer um pequeno emissor para a banda de 7Mhz (40m) fixa (com um cristal), autorizada para os radioamadores e que era a que melhor se adaptava para trabalhar dentro de Angola principalmente à noite. A alimentação poderia ser por meio de bateria ou directamente ligado à rede de energia.

Uma noite estava eu de turno fazendo escuta na banda de 7Mhz quando cerca da uma da manhã (?) ouvi uma chamada com um sinal bastante fraco mas que se entendia bem, chamando repetitivamente: CR6LA, aqui Cangola por favor atendam que é uma emergência. Pressenti que algo de grave estava acontecendo em Cangola. Respondi imediatamente e pedi que me dissesse o que estava acontecendo e o que eu poderia fazer. Entretanto lembrei-me do tal indivíduo administrativo a quem lhe tida fornecido o esquema do emissor.

CR6LA, estamos aqui no posto e o P-19 não funciona. Estou a trabalhar com o emissor que eu montei. Estamos cercados pelos turras e não temos munições suficientes. São muitos e como é noite pararam mas amanhã de manhã atacarão certamente. Por amor de Deus vá ao Quartel General e diga para nos mandarem ajuda caso contrário será o nosso fim. Nem queria acreditar no que estava a acontecer e respondi:

- Fique aí atento nessa frequência que eu vou imediatamente ao Quartel General.

Saí fechando a porta e como tinha deixado a minha scooter estacionada junto da Liga dirigi-me a toda a velocidade que a máquina permitia para o Quartel General que ficava na parte alta da cidade e, num ápice estava lá. Tomei a precaução de estacionar um pouco distante da entrada e avancei para a sentinela. Então ouvi logo uma voz perguntando:

- Quem vem lá?

- Sou um radioamador, respondi, acabei mesmo à pouco de receber na Liga dos radioamadores um pedido de socorro do posto administrativo de Cangola por isso, preciso falar já com o oficial de serviço. Mandou-me aproximar de mãos no ar e quando cheguei junto dele voltou a perguntar-me o motivo porque estava ali àquela hora da manhã. Então chamou um sargento ao qual expliquei o que se passava e que precisava falar imediatamente com o oficial de serviço.

- Acompanhe-me por favor. Já na presença do oficial voltei a repetir o mesmo: que era radioamador e estava de turno naquela noite e tinha recebido um pedido de socorro do Posto de Cangola dizendo-me que estavam a ser atacados e as munições estavam no fim. O oficial ficou meio incrédulo mas eu apresentei-lhe imediatamente a minha identificação (cartão) de radioamador.

- Tem a certeza de que não há engano?

- Tenho sim porque ele está a trabalhar com um pequeno emissor dele pois o P-19 avariou.

- Então diga a Cangola que vejam se conseguem aguentar-se até de manhã que nós vamos enviar socorros. Obrigado pelo seu excelente trabalho.

Num ápice estava de volta à Liga, liguei o emissor e chamei Cangola. Respondeu-me imediatamente.

- Já fui ao Quartel General e logo que amanheça vão mandar reforços. De vez em quando eu chamava para ver se tudo estava bem mas disse-lhe que poupasse a bateria que eu estaria sempre na frequência.

Era já madrugada quando ouvi novamente Cangola chamando mas desta vez com uma voz eufórica. CR6LA, os passarinhos (aviões) estão aqui mesmo por cima e estão a dar cabo deles. Obrigado em nome de todos pela sua ajuda que nos salvou a vida.

Esgotado, mas consciente do dever cumprido, fui para casa dormir pois tinha comunicado aos serviços que nessa noite eu ficaria de turno na Liga.

Mais tarde apareceu na Liga o Administrador de Posto de Cangola a quem eu tinha fornecido o esquema do emissor que lhes salvou a vida. Trazia um canhangulo (espingarda artesanal) que pertenceu a um dos turras mortos com uma placa de prata na coronha com a seguinte inscrição: “Com o reconhecimento do povo de Cangola”.

Casos semelhantes aconteceram com outros radioamadores que passaram horas sem fim escutando nos seus receptores as bandas utilizadas pelos P-19.

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