terça-feira, 19 de abril de 2011







COMOVE-TE.....ANIMAL

Quando vi aquele punhado de rapazes sujos, barbados, fardas encharcadas de suor e terra, vendo-os espremidos contra o solo negro e húmido, pressenti os seus próprios pensamentos, e, não pude de deixar de sorrir, por tantas coisas que se tinham dito.
Áh se toda essa cambada de letrados, de fanáticos, de idealistas, de políticos, de hipócritas, de parasitas, de ignorantes, de vaidosos e de comodistas, se pudessem encarar a face verdadeira da guerra em qualquer dos aspectos……
Se pudessem ver um homem esventrado e coberto de sangue!... Se pudessem cheirar o fedor de outros homens apodrecidos nas picadas. Se pudessem ter a oportunidade de sentir as angústias e proximidade da morte! Ah, se cada um deles pudesse ver as caras de angústia daqueles rapazes naquele momento ou quando um deles caía varado por estilhaços de granada. Ah, como tudo poderia ser diferente! Mas não era assim nem poderia deixar de ser.
Nós transportamos os nossos mortos e feridos aos ombros por esses caminhos sem fim.
Sonhamos, dormimos e vivemos em comum, ah, se cada um pudesse sentir……
Eu lutava comigo próprio e sentia o prazer em ferir-me, em aguilhoar-me numa vã tentativa de conhecer até onde fora, até onde deixara a minha alma afundar no turbilhão, na rudeza e na insensibilidade. Magoadamente notei que permanecia calmo, odiosamente calmo perante o perigo.
Somente a luta interior me assustava e abria fundos golpes em todo o meu ser.
Descobri o desdobramento de temperamento que lentamente me transformava e quase não me reconhecia. Vi um corpo que era o meu mas tudo o resto viera depois
Acompanhando o progressivo embrutecimento, a insensibilidade perante a dor física, perante a incerteza do futuro, e sentia que agora …..eu já não era eu….ou pelo menos aquele que queria ser. Agora estava preso, preso no lodo e bem fundo; e sabia igualmente que me afundaria mais, se tentasse sair desse buraco.
Reconheci-me e, para mim a pureza do espírito era como a limpeza do corpo. A minha amada estava muito,muito longe para desabafar, quantas noites passei chorando,chorando até já não ter lágrimas.
Minha amada, amei-te mais do que tudo, nunca ninguém amou como eu te amei, mas o destino assim o quis……………estas tão longe. Quem me dera poder só abraçar-te, no meio deste INFERNO.
A simples falta de firmeza de princípios, que estava a verificar, era o bastante para me sentir acabrunhado.
COMOVE-TE HOMEM, pensei baixinho com RAIVA e DESESPERO invadindo-me
COMOVE-TE com o vizinho, que partiu um braço, COMOVE-TE com o parente de 70 anos que morreu, porque não tinha mais vida para viver.
Ah, COMOVE-TE sim homem porque alguém foi atropelado mesmo diante de ti.
COMOVE-TE ANIMAL, só porque tudo isso se passa diante dos teus próprios olhos.
O HOMEM É UM ANIMAL, NÃO É ?
Se houvesse um só homem sobre a terra ---haveria de correr toda a vida para encontrar outro e, quando soubesse que estava só, destruiria tudo que encontrasse, depois quando nada mais houvesse, voltar-se-ia para si, morderia o corpo e morreria por causa do próprio veneno.
ANGOLA MARÇO/ABRIL 1969
LUIS FERREIRA

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