quarta-feira, 2 de janeiro de 2013


Voando Sobre um Ninho de Cucos

por Fernando Melro dos Santos, em 02.01.13
Bom dia, e Bom Ano.

Estive fora de Portugal durante uns dias. Peguei no carro, atravessei a vastidão de Espanha, e cheguei a Lourdes, no meio dos Pirenéus, mesmo a tempo de experienciar um terremoto de magnitude 4.7 com epicentro a poucos quilómetros de onde me encontrava no preciso instante em que ocorreu o abalo. 

A França ainda é um país bem aproveitado, bonito, fértil e viçoso. Florescem a pequena indústria e o prestador de serviços, homens caçam à beira da estrada um pouco por toda a parte sem terem de olhar por cima do ombro à procura do fiscal e do bufo, e não consta nem parece que alguma versão gaulesa da ASAE ande por lá a chatear as boulangeries e patisseries que oferecem (e escoam) uma pluralidade dos mais suculentos e intrinsecamente abundantes bolos que é dado a uma pessoa atirar pelo gasganete a baixo.

Por outro lado, os franceses conduzem mal, a medo, são na generalidade capazes de levar a 40 km/h um carro, sobre uma recta de 2km, se ali houver um sinal a compeli-los nesse sentido. Não percebem nada de informática, o profissionalismo e a observação das regras tolda-lhes o pragmatismo, e também regra geral, a internet funciona pobremente fora das grandes cidades. Sem querer que isto pareça um assomo de pensamento mágico, arrisco dizer que esta peculiaridade genética, a propensão para espectar em rebanho, pode vir a ser a Queda da estirpe franca diante das convulsões que agitam a Europa.

Isto tudo para dizer que ouvi em directo os votos proferidos por François Hollande para 2013 e antevi, com tristeza, uma França entregue ao comunismo, versão islamizada, a prazo de 50 anos. Projectaram-se desse momento em diante, na minha mente e nos meus olhos, imagens desse quadro Dantesco sobrepostas às bucólicas e frondosas paisagens por onde me fiz levar.

Certo de que este mês de Janeiro será pródigo em notícias que irão ratificando o meu vaticínio, mais não direi agora sobre este assunto, qual arúspice que aguarda o regresso dos sinais no vôo das aves migratórias.

Tive ainda oportunidade de parar em duas cidades Espanholas: Donostia (San Sebastián para os homogenistas) e Valladolid. Na primeira, havia pessoas a correr às sete da manhã, com cinco graus e chuva, e bastante movimento. Respirava-se. Eu que abomino cidades, considerei com alguma seriedade ser-me possível viver inserido naquela urbe de gente fresca e idioma esdrúxulo. Já à passagem por Valladolid, constatei o pior da súmula socializante que assolou Espanha nos últimos anos. Ninguém nas ruas, muitas e largas vias ao abandono que desembocavam em áreas comerciais igualmente feéricas, e aquela sensação deprimente de estar numa povoação onde entrar ou sair vai dar ao mesmo.

Durante todo este tempo acompanhei sempre que pude os boletins noticiosos através da televisão, em ambos os países e em cada região. O gradiente depressivo é deveras impressionante, quando posto em perspectiva.  Pareceu-me que em França o torpor ainda não é completo, que se tiram consequências daquilo que é dito, que é possível esperar do cidadão televisionado um escrutínio mínimo da realidade. Nas terras onde se vive sob o jugo de Castela, contudo, impera o registo a que Arturo Pérez-Reverte, com o sortilégio que lhe é único na urdidura da palavra, apodou de tonterías del culo. Ao longo desta rampa descendente de insensatez e a caminho deste couto na periferia humana que é Portugal, quem é que ainda poderia ficar surpreendido ao chegar à santa terrinha e deparar com a continuação da saga que deixáramos para trás? Mais mil milhões para um banco, mais dez milhões para um jogador da bola, normas novas, taxas novas, tudo a cavalo na inveja do Portugazinho, para quem o problema não é ter X, mas sim que o vizinho tenha X+1. 

Bem dizia ontem José Nogueira entrevistado por Fernando Alvim. No tempo de Salazar, não podiam ser ditas certas coisas e assim ficavam por revelar muito do abuso e da miséria que grassariam. Mas hoje essas mesmas coisas são ditas e não acontece nada em consonância e consequência com a gravidade do que é revelado. Mais, a populaça vai cantando e rindo com a estaca entalada no recto sempre a queixar-se dos outros, dos outros, dos outros, dos outros. 

Só tenho um desejo para 2013: levemos o Estado à falência.

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