Apartheid mental: os deprimidos-saudáveis
A representação comum, estereotipada, da alegria. Grupo, saúde física, natureza. Se colocasse aqui uma equivalente da depressão escolheria a imagem de uma pessoa com olheiras e enroscada na cama com as mãos na cabeça. Estas representações têm em comum o código corporal. a tradução corporal dos estados mentais. O que acontece quando essa tradução não existe?
Há pessoas deprimidas que nunca disseram aos outros que se sentem deprimidas e bem: os outros não acreditariam. São pessoas que riem, trabalham, dormem bem, convivem, fazem desporto, não tomam antidepressivos. Então e podem estar deprimidas? Podem. E muito.
O que a vulgata não conta é que o tom depressivo pode conviver com um estilo de vida dito normal e até muito agradável. Isto acontece porque alguns de nós orientam o pathos depressivo para fora da corrente quotidiana, mas há mais. A tradução comportamental resulta da falta de controlo. Por exemplo, quando estamos encolerizados e nos portamos como tal. Os deprimidos-saudáveis exercem uma vigilância apertada sobre o afecto depressivo. O medo, a angústia, o deslace da vida , são mantidos em regime de apartheid do quotidiano normal. Dir-se-ia que um contrato social se estabelece: podes ser deprimido se não pareceres um.
Muitas e variadas razões podem ser responsáveis. Há pessoas que deprimiram em função de acontecimentos, outras arrastam fastios de infância mal resolvidas, algumas exprimem heranças. Seja como for, todas resolveram casar com a depressão sem se deixar dominar por ela. Por vezes, estes deprimidos-saudáveis retiram algum prazer em dominar a melancolia e o pessimismo . Outros conseguem arranjar nichos ecológicos para a depressão brincar à vontade. Falaremos disto mais tarde: o realismo depressivo?
Sem comentários:
Enviar um comentário