sexta-feira, 20 de setembro de 2013

"Se não estás satisfeito, a porta de saída é ali"



 
Um exemplo das condições de verdadeira escravatura em que o trabalho está a ser exercido no Portugal das troikas

17 de Agosto de 2013

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Trabalhar num call center é viver num mundo de pobreza, instabilidade, pressões e humilhações. O centro da PT em Coimbra é descrito por muitos como “um inferno”

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Para Nuno, o pior de tudo era ter de enganar os clientes. Trabalhou no enorme call center da Portugal Telecom em Coimbra, antes de vir para a Teleperformance, em Lisboa. Em Coimbra trabalhou no sector outbound (quando é o operador que faz a chamada, geralmente para vender) da MEO. “Tínhamos de dar a entender às pessoas que, se não comprassem o serviço MEO, ficariam sem televisão, o que era mentira”, recorda Nuno, ao PÚBLICO. 
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Era o período em que foi introduzida a Televisão Digital Terrestre (TDT). Quem não tinha qualquer serviço por cabo teria de instalar um descodificador para continuar a ter sinal de televisão. Não era necessário aderir ao MEO, mas os operadores só explicavam isto se o cliente o perguntasse explicitamente. As instruções que tinham eram claras quanto a isto.

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Carlos ainda trabalha no call center da PT de Coimbra. Ou melhor, em teoria é empregado da Vertente Humana, uma empresa de trabalho temporário com a qual tem um contrato de 15 dias, renovável automaticamente, embora com uma curiosa modalidade de funcionamento.

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Carlos, que vende igualmente serviços da MEO, conta que também é obrigado a enganar os clientes. Ao contactar clientes de outras redes, aliciando-os a aderirem ao serviço M4O, tem instruções para não referir nunca que o cliente terá de mandar desbloquear o seu telemóvel, com os custos implícitos. Só se tal for perguntado explicitamente – “E eu terei de mandar desbloquear o meu telemóvel?” o operador pode confirmar. Mas se o cliente perguntar, por exemplo, “E não terei de fazer mais nada? O serviço fica logo disponível?”, o operador está proibido de lhe dizer que terá de mandar desbloquear o telemóvel.

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Se o cliente, mais tarde, se sentir enganado e protestar, o operador é penalizado. Carlos relata outro caso, que aconteceu no mês passado. Na venda do serviço M4O (que inclui chamadas grátis de telemóvel), os operadores têm instruções para nunca dizer ao cliente que, ao aderir, terá anulado todo o saldo que possa ter no Cartão Sim. Mais uma vez, só poderá dar essa informação se o cliente se lembrar de o perguntar explicitamente. Ora no caso em questão o cliente chegou a dizer, na tentativa de recusar a oferta: “Mas eu tenho muito dinheiro no cartão…” Não era a pergunta certa, e Carlos não lhe pôde dizer que todo o seu saldo de 90 euros seria anulado. Quando descobriu, o cliente protestou.

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“Fui penalizado por causa disso, na minha remuneração variável”, conta Carlos, “apesar de eu ter ao meu lado uma folha onde está escrita claramente essa regra, que eu não posso informar o cliente”.

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O call center da PT em Coimbra vive essencialmente da mão-de-obra dos estudantes da universidade. Na opinião dos operadores (que não confirmámos junto da PT) a ideia de colocar o centro de atendimento na cidade deve-se a esse motivo.

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A carta de despedimento

No período de férias universitárias, a PT emprega outras pessoas, que não estudantes, que muitas vezes são despedidas mal se inicia o ano lectivo. Dito de uma forma mais técnica, a rotatividade dos trabalhadores é enorme. Todos os que contactámos afirmaram estar contratados por agências de trabalho temporário, e terem contratos de 15 dias. Mas eis como funciona: a meio de cada mês, o trabalhador recebe em casa uma carta de despedimento.

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Com alguns, isto acontece quase todos os meses, com outros, em apenas alguns meses por ano. Depende da produtividade, e eventualmente de outros factores. Carlos acaba de receber uma, registada, como sempre. Data: 18 de Julho de 2013. “Serve a presente… nos ternos da Lei n.º 1, artigo 344 do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro… o seu contrato de trabalho caducará a 3 de Agosto de 2013…” Seguem-se as instruções sobre subsídio de desemprego, etc.

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Chegado ao local de trabalho, no dia seguinte, o supervisor explica que a produtividade não tem sido a melhor, e que, a continuar assim, o contrato não será renovado, como a carta de resto já formaliza. “Tens 15 dias para melhorar a performance“, diz o supervisor. Será então preciso trabalhar a dobrar, para “cumprir os objectivos”. Isso significa trabalhar durante os fins-de-semana e dias de férias, e a possibilidade de fazer isso ainda é considerada um grande favor da empresa, para que o trabalhador consiga “cumprir os objectivos” e não seja despedido. Esses objectivos são fixados pelas chefias, mas “muitas vezes a meio do mês mudam os objectivos”, diz Carlos. “A pressão é enorme, e a instabilidade também. Há pessoas a chorar nos intervalos, há pessoas que não aguentam.”
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Nuno, que trabalha na Teleperformance (embora o seu contrato seja com uma outra empresa, de trabalho temporário, que pertence à própria Teleperformance), tal como Maria, ou Júlia, que é operadora da ZON, todos se referem à mesma instabilidade, ao salário baixo (nunca muito acima do salário mínimo) e às formas de pressão para fazer aumentar a produtividade. A frase que todos disseram já ter ouvido repetidas vezes, nas várias empresas, é: “Se não estás satisfeito, a porta de saída é ali”.

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Nuno e um grupo de pessoas a trabalhar em várias empresas de call center estão a tentar organizar-se para criar um sindicato do sector. Reuniram-se e redigiram um Boletim para um Sindicato dos Trabalhadores dos Call Centers, n.º 0, intitulado “Tás logado?. Chamam a atenção para a precariedade, para os baixos salários, as formas de pressão e a necessidade de se juntarem. Mas misturam tudo isto com um discurso muito ideológico (com referências à Primavera Árabe e às manifestações no Brasil), o que decerto não facilitará a adesão de pessoas que, pela natureza do seu trabalho e vínculos contratuais, tendem a estar dominadas pelo medo.

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Os nomes de todos os operadores citados nesta reportagem são fictícios, a pedido dos mesmos. O nosso pedido à PT para visitar o call center de Coimbra foi recusado, com a explicação de que seria “uma falta de respeito pelas pessoas que estão a trabalhar”. Uma entrevista com um responsável também foi negada. Apenas chegou uma resposta por email às nossas questões sobre os contratos e as cartas de rescisão, dizendo que “não é verdade”. 
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Quanto aos casos concretos em que os operadores são instruídos para enganar os clientes, a “fonte oficial da PT” escreveu: “Os casos concretos que refere não têm qualquer significado face às centenas de milhares de serviços vendidos no M4O.”

Paulo Moura

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