Cabeças perdidas
Manuel
Alegre (poeta). Vítor Ramalho (soarista). Carlos do Carmo (fadista).
Boaventura Sousa Santos (latinista). Vasco Lourenço (abrilista). Marisa
Matias (bloquista). Ruben de Carvalho (comunista). Pedro Silva Pereira
(socrático). Jorge Sampaio (sampaísta). António Capucho e Pacheco
Pereira (embaixadores do "centro-direita"). Pinto Ramalho (general).
Helena Roseta. Maria de Belém. Carlos Zorrinho. Alberto Martins. Ferro
Rodrigues. Jorge Lacão. João Semedo. António Costa. Manuel Tiago.
Domingos Abrantes. Almeida Santos.
Estas
são algumas das personalidades que, através de mensagem de apoio ou
presença corpórea, disseram "sim" à convocatória de Mário Soares e
iluminaram a Aula Magna a fim de alegadamente defender a Constituição e o
Estado "social". Na verdade, o exercício versou mais o ataque ao
Governo e ao presidente da República, a quem se exige imediata demissão a
bem ou posterior remoção a mal. As sugestões de violência, os apelos à
violência e as ameaças de violências foram tantos e tão explícitos que
apenas a transmissão televisiva do evento nos lembrou não se tratar de
uma reunião da Carbonária a conspirar o regicídio. O Dr. Soares
"aconselhou" os governantes (e Cavaco) a regressar a casa pelos próprios
pés enquanto podem. Vasco Lourenço incitou que os corressem, cito, "à
paulada". Helena Roseta defendeu que "a violência é legítima para pôr
cobro à violência". E, visto que as camisas de força nunca chegaram, um
longo etc.
Talvez
não valha a pena notar que, em 2013, a "família real" em causa foi
eleita pela maioria dos cidadãos. Vale a pena notar que ninguém elegeu
os revolucionários em questão. Sobretudo ninguém lhes passou procuração.
Os amiguinhos do Dr. Soares falam em nome de um "povo" que,
abençoadamente, não existe. O "povo" que existe pode não gostar do
Governo e lamentar o Prof. Cavaco, mas boa parte da população é capaz de
abominar com maior empenho o bando de privilegiados da Aula Magna, que
no entender de muitos devia estar na cadeia pelo que outrora fez ao país
ou pelas desmioladas soluções que agora propõe.
Sou
avesso a excessos. É claro que umas centenas de malucos fechados numa
sala (de que infelizmente não se perdeu a chave) não definem o espírito
do tempo. O que o define é a importância que se dá à coisa. Assim de
repente, os augúrios não são simpáticos: sem discernível ironia, os
media dedicaram ao encontro a seriedade que se dispensaria a um encontro
de gente séria, e quando se vê comentadores solenes interpretarem as
palavras do Dr. Soares como interpretariam as de alguém digno de
atenção, é lícito constatar que a democracia não atravessa um período
radioso. Não discuto que o Governo não seja um paradigma de
incompetência. Digo que enquanto a alternativa reconhecida implicar
múltiplas exibições de demência, aliás em nítido desrespeito pelo Código
Penal, isto não vai longe.
De
resto, não imagino se o "povo" um dia pegará em armas e varrerá a tiro
ou à paulada os poderosos. Porém, tenho a certeza de que o "povo" não
berra a uma só voz e sem dúvida não pensa pelos cerebelos do Dr. Soares e
respectivo séquito de parasitas: o trágico caos que se seguiria à
hipotética sublevação varreria também a estirpe de poderosos que inflama
as massas por diletantismo ou preservação de regalias. Os Robespierres
de trazer por casa já perderam a cabeça no sentido figurado. Vê-los
perdê-la no sentido literal seria, para os menos piedosos, o único
alívio cómico do caos.
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