CHICO-ESPERTICES, ANGOLANOS NOVOS-RICOS – Mia Couto
Ricos são como a
cerveja tirada à pressão: num instante, mas a maior parte é só espuma - Mia
Couto
Lisboa - Rico é
quem possui meios de produção. Rico é quem gera dinheiro e dá emprego. Endinheirado
é quem simplesmente tem dinheiro. Ou que pensa que tem. Porque, na realidade, o
dinheiro é que o tem a ele. A verdade é esta: são demasiado pobres os
nossos “ricos”. Aquilo que têm, não detêm. Pior, aquilo que exibem como seu, é
propriedade de outros. É produto de roubo e de negociatas. Não podem, porém,
estes nossos endinheirados usufruir em tranquilidade de tudo quanto roubaram. Vivem
na obsessão de poderem ser roubados.
"Novos Ricos
angolanos": São nacionais só na aparência porque estão prontos a serem
moleques de estrangeiros.
Necessitariam de
forças policiais à altura. Mas forças policiais à altura acabariam por os
lançar a eles próprios na cadeia. Necessitariam de uma ordem social em que
houvesse poucas razões para a criminalidade. Mas se eles enriqueceram foi
graças a essa mesma desordem.
O maior sonho dos
nossos novos-ricos é, afinal, muito pequenito: um carro de luxo, umas efémeras
cintilâncias. Mas a luxuosa viatura não pode sonhar muito, sacudida pelos
buracos das avenidas.
O Mercedes e o BMW
não podem fazer inteiro uso dos seus brilhos, ocupados que estão em se esquivar
entre chapas muito convexos e estradas muito côncavas. A existência de estradas
boas dependeria de outro tipo de riqueza. Uma riqueza que servisse a cidade. E a
riqueza dos nossos novos-ricos nasceu de um movimento contrário: do
empobrecimento da cidade e da sociedade.
As casas de luxo
dos nossos falsos ricos são menos para serem habitadas do que para serem
vistas. Fizeram-se para os olhos de quem passa. Mas ao exibirem-se, assim,
cheias de folhos e chibantices, acabam atraindo alheias cobiças. O fausto das
residências chama grades, vedações electrificadas e guardas privados. Mas por mais
guardas que tenham à porta, os nossos pobres-ricos não afastam o receio das
invejas e dos feitiços que essas invejas convocam.
Coitados dos novos
ricos. São como a cerveja tirada à pressão. São feitos num instante mas a maior
parte é só espuma. O que resta de verdadeiro é mais o copo que o conteúdo. Podiam
criar gado ou vegetais. Mas não. Em vez disso, os nossos endinheirados feitos
sob pressão criam amantes.
Mas as amantes
(e/ou os amantes) têm um grave inconveniente: necessitam ser sustentadas com
dispendiosos mimos. O maior inconveniente é ainda a ausência de garantia do
produto. A amante de um pode ser, amanhã, amante de outro. O coração do criador
de amantes não tem sossego: quem traiu sabe que pode ser traído.
Os nossos
endinheirados às pressas, não se sentem bem na sua própria pele. Sonham em ser
americanos, sul-africanos. Aspiram ser outros, distantes da sua origem, da sua
condição. E lá estão eles imitando os outros, assimilando os tiques dos
verdadeiros ricos de lugares verdadeiramente ricos.
Mas os nossos
candidatos a homens de negócios não são capazes de resolver o mais simples dos
dilemas: podem comprar aparências, mas não podem comprar o respeito e o afecto
dos outros. Esses outros que os vêem passear-se nos mal explicados luxos. Esses
outros que reconhecem neles uma tradução de uma mentira. A nossa elite
endinheirada não é uma elite: é uma falsificação, uma imitação apressada.
A luta de
libertação nacional guiou-se por um princípio moral: não se pretendia
substituir uma elite exploradora por outra, mesmo sendo de uma outra raça. Não
se queria uma simples mudança de turno nos opressores. Estamos hoje no limiar
de uma decisão: quem faremos jogar no combate pelo desenvolvimento? Serão estes
que nos vão representar nesse relvado chamado “a luta pelo progresso”? Os
nossos novos ricos(que nem sabem explicar a proveniência dos seus dinheiros) já
se tomam a si mesmos como suplentes, ansiosos pelo seu turno na pilhagem do
país.
São nacionais mas
só na aparência. Porque estão prontos a serem moleques de outros, estrangeiros.
Desde que lhes agitem com suficientes atractivos irão vendendo o pouco que nos
resta. Alguns dos nossos endinheirados não se afastam muito dos miúdos que pedem
para guardar carros.
Os novos candidatos
a poderosos pedem para ficar a guardar o país. A comunidade doadora pode ir ás
compras ou almoçar à vontade que eles ficam a tomar conta da nação. Os nossos
ricos dão uma imagem infantil de quem somos. Parecem crianças que entraram numa
loja de rebuçados. Derretem-se perante o fascínio de uns bens de ostentação.
Servem-se do erário
público como se fosse a sua panela pessoal. Envergonha-nos a sua arrogância, a
sua falta de cultura, o seu desprezo pelo povo, a sua atitude elitista para com
a pobreza. Como eu sonhava que Moçambique tivesse ricos de riqueza verdadeira e
de proveniência limpa! Ricos que gostassem do seu povo e defendessem o seu
país. Ricos que criassem riqueza. Que criassem emprego e desenvolvessem a
economia. Que respeitassem as/os índios norte-americanos que sobreviveram ao
massacre da colonização operaram uma espécie de suicídio póstumo: entregaram-se
à bebida até dissolverem a dignidade dos seus antepassados. No nosso caso, o dinheiro
pode ser essa fatal bebida.
Uma parte da nossa
elite está pronta para realizar esse suicídio histórico.
Que se matem
sozinhos. Não nos arrastem a nós e ao país inteiro nesse afundamento.
Mia Couto - 20
junho 2013
Sem comentários:
Enviar um comentário