Quinta-feira, 14 de Abril de 2011
Discurso inédito de um militante socialista no último Congresso do PS
Publicamos abaixo o discurso que o militante do Partido Socialista Artur Fontes, de Carregal do Sal, pretendia fazer aos delegados no último Congresso do PS, em Matosinhos, em 8-4-2011. Segundo conta, foi dos primeiros a inscrever-se para discursar e esperou para poder exercer o seu direito à palavra. Pelas 21 horas ainda não tinha sido chamado e decidiu, por isso, retirar a sua inscrição, abandonando o Congresso. O discurso foi enviado pelo nosso companheiro da Via Justa, João Albuquerque, que entendeu que o texto não merecia ficar inédito.
«Discurso (não lido) de Artur Fontes no XVII Congresso do PS
A saúde de uma democracia depende não apenas da estrutura das suas instituições, mas também das qualidades dos seus cidadãos», assim se lê na Enciclopedia of Philosophy. E eu acrescento: A saúde de um partido democrático, como o partido socialista, não depende apenas das suas estruturas, mas sobretudo, da qualidade dos seus membros. Só esta qualidade poderá fornecer um bom lote de dirigentes. E é «na variedade dos meios e expressões que encontraremos a unidade diversificada de uma síntese progressiva, que é o labor continuado de todos os homens de boa vontade». (Mafalda Faria Blanc). Esta boa vontade encerra em si o saber e o saber estar ao serviço sem outros fins e objectivos que não sejam apenas o servir apaixonada e desinteressadamente a Causa Pública. Isto é, imbuídos de espírito e de uma ética republicana!
Mas, para servir desta forma, necessário seria a existência de um clima de saber ouvir, e bem, para saber discernir. Foi o que faltou a este governo, cujo principal responsável foi José Sócrates. Deixou de ouvir os avisos constantes dos economistas, deixou de ouvir os avisos elegantes de Mário Soares e do próprio actual Presidente da República. Deixou de ouvir a própria Conferência Episcopal portuguesa, deixou de ouvir os avisos que a própria Drª Ferreira Leite lhe apontava acerca do défice, numa atitude de falta de humildade, deixou de ouvir os protestos dos elementos da PJ e da PSP, deixou de ouvir a sociedade civil, já para não falar das vozes discordantes e corajosas dentro do partido.
Prometeu desvairadamente a criação de 100 e tal mil postos de trabalho e o que temos são mais de 600.000 desempregados. Não atacou o enriquecimento ilícito. A despesa pública do sector público administrativo em 2003 era de 60 mil milhões de euros, actualmente são mais de 82 mil milhões. Começou com a reforma do ensino e não a acabou. Fez um braço de ferro com os professores para mais tarde ceder no que anteriormente não cedia. A Justiça, pilar importante de uma democracia e da sua credibilidade, padece de um mal crónico. Fez promessas que não cumpriu e, mais grave ainda, não pediu desculpas ao povo português, argumentando serem sempre os outros os culpados, numa fanfarronice sem escrúpulos.
Contra este estado mental já combatiam Jaime Cortesão e António Sérgio, em 1921 e escreviam na “Seara Nova” «Em democracia quem mente ao povo é réu de alta traição»!
Os nossos secretários de Estado e deputados, falavam todos à mesma voz: Propagandeavam aquilo que Sócrates dizia ser “muito importante” ou “historicamente importante”, enquanto o descalabro arruinava o País. E, o partido tornou-se, assim, num veículo de propaganda governamental, à semelhança dos partidos soviéticos, apático e sem massa crítica, devido ao afastamento voluntário de muitíssimos militantes revoltados e desiludidos por verem que o partido servia uma clientela política e se transformava num centro de emprego para os boys e à cumplicidade dos dirigentes com medo de perderem os seus lugares! Esta actuação, ofuscou aquilo de bom que se fez, nomeadamente no campo das ciências ou da diplomacia.
Escrevia Rodrigues Miguéis, na “Seara Nova”, nos anos 20: “Deve o estado rodear-se de gente honesta, perseguir os viciosos e expulsar os inúteis”.
Sendo assim, é hora de dizermos BASTA!
O partido socialista precisa de se transformar, como escreveu Sophia Mello Breyner :
«Como casa limpa.
Como chão varrido
Como porta aberta (…)
Como página
Onde
Como arquitectura
Do homem que ergue
Sua habitação.» .
(in “Revolução”)
Só assim cumpriremos Portugal, no sentido dado por Miguel Torga: “O meu partido é o mapa de Portugal”!
Artur Fontes, Carregal do Sal»
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